Ojoma Ekhomun sabia que o nascimento de seu primeiro filho seria complicado — assim que ela fez os exames pré-natal do sexto mês de gestação, a Nigéria entrou em lockdown.
O que ela não esperava naquela consulta em março de 2020 era estar de volta ao hospital menos de um mês depois, em trabalho de parto, com apenas 31 semanas de gravidez.
Seu filho pesava apenas 700g quando nasceu prematuro por meio de uma cesariana. Ele não estava totalmente desenvolvido e seu peso baixo o tornava extremamente vulnerável. Segundo os médicos, o menino — chamado Akahomhen — foi o menor bebê a ser tratado no Centro Materno-Infantil Amuwo Odofin, em Lagos, para onde foi transferido logo após o nascimento.
Nos dias que se seguiram, o peso de Akahomhen caiu para 600g, e os médicos ficaram preocupados. Cerca de 205 bebês morrem na Nigéria todos os dias como resultado de partos prematuros — o que representa 31% de todas as mortes neonatais no país.
Apesar de ser a maior economia da África, o baixo investimento em infraestrutura de saúde, aliado ao acesso limitado a serviços de maternidade em algumas áreas, faz com que a mortalidade neonatal no país esteja entre as mais altas do mundo. As áreas rurais, em particular, apresentam altas taxas de mortes maternas e de recém-nascidos.
Para sorte do filho de Ekhomun, o Centro Materno-Infantil Amuwo Odofin é um dos mais modernos do país.
Os médicos conseguiram colocar o bebê em uma incubadora — muitas vezes em falta na Nigéria —, e lentamente seu peso começou a aumentar. Mas assim que ele atingiu 1kg — peso ainda considerado crítico para um recém-nascido —, foi tirado de lá.
Os médicos colocaram o bebê em contato com o peito da mãe, com suas peles nuas pressionadas uma contra a outra. Ekhomun o carregou assim para todos os lugares que foi nas semanas seguintes, tirando o filho da posição apenas para amamentar e dormir.
Lentamente, seu filho começou a ganhar peso, engordando cerca de 30g por dia até pesar 1,8 kg aos dois meses de vida. Inicialmente, ele precisou ser alimentado por meio de uma seringa, mas aos poucos começou a mamar.
Ao longo dos meses seguintes, Ekhomun continuou a carregar o filho aconchegado junto a sua pele, enquanto ele crescia e se tornava um bebê saudável e saltitante.
“Ele fica muito seguro aí”, diz a mãe de 26 anos.
“Gosto do calor entre o bebê e eu.”
Essa abordagem simples, mas notavelmente eficaz — conhecida como “método canguru” devido à forma como o bebê é carregado na frente da mãe — é considerada uma das melhores alternativas às incubadoras no tratamento de bebês prematuros e de baixo peso.
“Temos cerca de 19 ensaios clínicos randomizados em todo o mundo que mostram uma redução nas mortes”, diz Joy Lawn, professora de saúde materna, reprodutiva e infantil da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido.
“A maioria desses estudos focou em bebês que já estão menos doentes. Eles ainda são prematuros, mas não estão muito doentes.”
Lawn passou mais de uma década pesquisando os benefícios do método canguru, sobretudo na África. Sua pesquisa sugere que a técnica pode oferecer uma tábua de salvação para bebês prematuros em comunidades rurais e remotas, onde o acesso a incubadoras é limitado.
Mas ela acredita que a abordagem é amplamente subutilizada e também poderia ser benéfica em países mais desenvolvidos para aliviar a pressão sobre unidades de terapia intensiva neonatal sobrecarregadas.
“Não é apenas para ambientes com poucos recursos”, diz Lawn.
Bebês prematuros com baixo peso podem enfrentar diversos problemas ao nascer. Sem um estoque de gordura corporal, eles podem ter dificuldade para regular sua própria temperatura e perder calor rapidamente. As incubadoras são usadas para ajudá-los a manter uma temperatura estável.
Ao colocar o bebê em posição vertical no peito da mãe para que suas peles fiquem em contato direto, ele pode compartilhar o calor do corpo dela para manter uma temperatura estável e reduzir drasticamente o risco de hipotermia nos primeiros dias de vida.
Proposto pela primeira vez em 1978 por dois pediatras da maternidade do Hospital San Juan de Dios em Bogotá, na Colômbia, o método canguru foi concebido inicialmente como uma forma de ajudar as enfermarias sobrecarregadas a lidar com o alto número de bebês prematuros.
O hospital fazia o parto de cerca de 11 mil bebês a cada ano, e as taxas de mortalidade eram altas entre esses recém-nascidos.
Em um esforço para diminuir a demanda por incubadoras, os médicos sugeriram que mães de bebês abaixo do peso ao nascer tivessem contato pele a pele contínuo com os filhos.
Os recém-nascidos tratados dessa maneira apresentaram taxas de mortalidade mais baixas, e a equipe também conseguiu se concentrar nos bebês mais gravemente doentes.
Quando os resultados foram publicados em 1983, chamaram imediatamente a atenção internacional e foram amplamente promovidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Inicialmente, havia preocupações quanto à robustez do estudo devido à forma como os dados de mortalidade foram registrados, mas pesquisas subsequentes em todo o mundo reforçaram os resultados iniciais.
Como foi adotado em diferentes países ao redor do mundo, outros potenciais benefícios foram descobertos. Lawn aponta para uma série de estudos que mostraram melhorias significativas não apenas nas taxas de mortalidade, mas também em doenças posteriores de bebês prematuros.
Em todo o mundo, estima-se que 14,8 milhões de bebês nascem prematuramente a cada ano — o que representa cerca de 11% de todos os nascimentos, e a taxa de nascimentos prematuros parece estar aumentado — pelo menos entre 2000 e 2014, período para o qual há dados globais.
As complicações relacionadas ao parto prematuro também são a principal causa de morte entre crianças, sendo responsáveis por 18% dos óbitos de menores de cinco anos e até 35% das mortes de bebês com menos de 28 dias.
As taxas de nascimentos prematuros variam muito de acordo com a parte do mundo. A Arábia Saudita e Belarus estão entre os países com as taxas mais baixas do mundo, com cerca de 4% de nascimentos prematuros, enquanto Bangladesh e Chipre apresentam taxas de natalidade prematuras de 19,2% e 18,7%, respectivamente.
A maior parte dos partos prematuros — aproximadamente 80% do total— acontece em países de baixa e média renda, sobretudo na África Subsaariana e no Sul da Ásia, onde o acesso a equipamentos de suporte à vida, como incubadoras, é mais limitado.
Apesar das evidências que respaldam o método canguru e do reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), a técnica ainda luta para obter o status de convencional em algumas áreas.
No estado de Kebbi, no noroeste da Nigéria, a Unicef está trabalhando com parteiras profissionais para ajudar a ensinar mães e parteiras tradicionais a respeito do método canguru.
Em muitas comunidades de difícil acesso, as grávidas contam com parteiras tradicionais para ajudar a dar à luz e cuidar de seus bebês durante o trabalho de parto.
Em geral, são mulheres locais mais velhas que raramente têm treinamento médico, mas costumam ser altamente respeitadas em suas comunidades locais.
Embora o uso de parteiras sem treinamento esteja diminuindo, elas muitas vez são usadas devido à falta de parteiras especializadas.
Na maioria dos casos, elas oferecem cuidados inestimáveis, mas podem ter dificuldade se houver complicações durante o parto sem as ferramentas certas, diz Nyam Musa, parteira da Unicef que lidera a equipe que ajuda a introduzir o método canguru nas comunidades rurais de Kebbi.
Antes de a pandemia de covid-19 interromper seu trabalho, sua unidade costumava visitar vilarejos na região para ajudar mães de bebês abaixo do peso.
Sua equipe oferece aulas para as mães sobre como aplicar o método canguru por conta própria e com a ajuda de familiares.
Eles mostram como prender o bebê com segurança com pedaços de pano para que a criança encoste na pele da mãe e dão dicas de como mantê-los limpos em caso de acidentes.
Mas convencer as parteiras tradicionais a adotar o método canguru envolve a superação de muitas crenças antigas.
Algumas acreditam que, quando uma mãe ou filho morre, “foi vontade de Deus”, explica Musa. Também existe uma mentalidade em muitas comunidades de que as mulheres devem evitar ir ao hospital como símbolo de força e prestígio, diz ela.
Apesar desses desafios, eles descobriram que a maioria está ansiosa para aplicar o método canguru.
“A aceitação é maior do que a rejeição”, acrescenta Musa.
A equipe da Unicef usa estudos de caso — exemplos inspiradores de experiências bem-sucedidas anteriores — para orientar as participantes mais céticas.
Mas mesmo em áreas onde há incubadoras disponíveis e centros médicos próximos, suprimentos intermitentes de eletricidade podem deixar o equipamento efetivamente inútil.
O método canguru se torna uma ferramenta importante, mesmo em hospitais urbanos movimentados, diz Linda Ethel Nsahtime-Akondeng, gerente de saúde do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Unicef na Nigéria.
“É barato e pode ser feito em larga escala”, afirma.
Isso pode ser essencial para um país com o terceiro maior número de partos prematuros do mundo, atrás apenas da Índia e da China. Estima-se que 803 mil crianças nascem prematuramente na Nigéria a cada ano, colocando uma enorme pressão sobre os centros de saúde.
Oyejoke Oyapero, chefe de pediatria do Centro Materno-Infantil Amuwo Odofin, em Lagos, diz que a técnica ajudou a liberar incubadoras, mas ela acredita que ter o bebê tão perto da mãe oferece muitas outras vantagens.
“O bebê não precisa [de sua] própria energia ou calorias [para se manter aquecido]”, diz ela.
“Assim, o bebê destina essas calorias para ganhar peso porque a mãe fornece [o calor do seu próprio corpo]. Algumas [incubadoras] vêm com monitores de apneia (para detectar se o bebê para de respirar). No método canguru, a mãe é o único dispositivo que você precisa.”
Mas o método canguru exige compromisso — bebês abaixo do peso requerem contato pele a pele contínuo por pelo menos 18 horas por dia. Para a mãe, isso significa uma pausa de apenas algumas horas.
Antin Ehi, uma mãe de 40 anos, cuja filha nasceu prematuramente em abril, gostou da oportunidade de estar tão perto da filha, que ela chamou de Ehi.
Com a ajuda da equipe do Centro Materno-Infantil em Lagos, Antin Ehi aprendeu a envolver a filha recém-nascida contra o peito com tecido enquanto sua condição se estabilizava.
“Eu nunca tinha ouvido falar disso até que me encontrei nessa situação”, diz ela.
“E, honestamente, foi uma ótima experiência. Normalmente, vestia uma camisola e a colocava dentro, contra o meu corpo para sentir o calor. Foi engraçado, mas adorável.”
“Ela podia ficar lá o dia todo. Uma vez que você os coloca no seu peito, eles se acalmam. Não se mexem. Apenas se sentem relaxados.”
Embora a maior parte do método canguru seja focado na mãe, há um crescente corpo de pesquisas que sugere que os pais podem participar do contato pele a pele com os bebês com resultados semelhantes.
Lawn também acredita que o método canguru pode ser útil para ajudar a cuidar de bebês que ainda não se estabilizaram completamente após o nascimento, como aqueles com dificuldades respiratórias ou que sofrem de alguma doença.
Ela e seus colegas estão atualmente conduzindo um estudo em hospitais na Gâmbia para ver se bebês prematuros leve a moderadamente doentes se beneficiam do método canguru.
Em bebês prematuros estáveis com peso inferior a 2 kg, o método canguru reduziu a mortalidade em 36-51%, mas há esperança de que também possa ajudar bebês que não estão bem, ou que possa ser usado até mesmo nas primeiras horas após o nascimento.
Mas a proximidade com a mãe proporcionada pelo método canguru parece trazer ainda outros benefícios para o bebê.
“Reduz as infecções que [o bebê] pode pegar nos hospitais.”
“Melhora o crescimento. Melhora a amamentação. Melhora o cérebro [do bebê]”, enumera Lawn.
Muitos bebês prematuros têm dificuldade em mamar no início, principalmente porque ainda não desenvolveram o reflexo de sucção ou a capacidade de coordenar a respiração e a deglutição enquanto mamam.
As mães de bebês prematuros também podem não produzir leite suficiente para seus filhos. Isso geralmente significa que esses recém-nascidos acabam sendo alimentados por meio de sondas enquanto estão na incubadora.
Mas foi constatado que o método canguru ajuda bebês com baixo peso ao nascer a começar a mamar mais cedo — até 2,6 dias, de acordo com um estudo de revisão — do que aqueles que estão em incubadoras ou aquecedores para bebês.
Uma característica que tornou a técnica particularmente atraente em regiões ricas e industrializadas é a sensação de empoderamento que oferece às mães ao serem capazes de participar do processo de recuperação de seu bebê prematuro em comparação com os cuidados da incubadora.
O método também demonstrou reforçar o vínculo entre a mãe e o bebê, sobretudo porque evita a separação deles nos primeiros dias após o nascimento.
Bebês que experimentam o método canguru podem até chorar menos e dormir mais serenamente, alguns estudos em pequena escala sugerem. A técnica também tem sido relacionada ao desenvolvimento do cérebro, incluindo atenção e movimentos aprimorados.
Um estudo chegou a sugerir que sentir os batimentos cardíacos da mãe ajuda a sincronizar a respiração do bebê enquanto ele está preso ao seu peito.
No entanto, apesar da crescente base de evidências que apoiam os benefícios do método canguru, sua implementação ao redor do mundo é irregular, mesmo em países desenvolvidos como os Estados Unidos.
Menos de 50% dos recém-nascidos são tratados pelo método canguru em hospitais dos EUA, de acordo com estatísticas reconhecidamente desatualizadas coletadas por pesquisadores em 2002. Mas, de acordo com Lawn, as coisas estão mudando.
“Os governos, provavelmente, que estão investindo mais no método canguru são os escandinavos”, diz ela.
“Em toda a Europa e América do Norte, o método canguru está se tornando a prática padrão. Tanto para bebês prematuros estáveis, como também para bebês que estão doentes.”
Para a mãe de primeira viagem Ojoma Ekhomun, a técnica permitiu que ela protegesse e cuidasse do filho quando ele estava mais vulnerável. Mesmo agora que ele está fora de perigo e crescendo a cada dia, ela pretende continuar carregando o filho no peito.
“Vou continuar até que [meu] bebê comece a andar”, diz ela.
“É muito legal.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: BBC News Brasil
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