Mulheres são as que mais cuidam de idosos no Brasil, segundo pesquisa que ouviu 4.820 cuidadores. Elas representam 92% desses prestadores de serviços e 38,6% têm idade superior a 50 anos. O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores Daniel Groisman, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; e Dalia Romero, do Instituto de Informação e Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde, ambos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O relatório “Cuida-Covid: Pesquisa nacional sobre as condições de trabalho e saúde das pessoas cuidadoras de idosos na pandemia” pode ser acessado neste link.
Atividade familiar
A coleta de dados foi realizada através de questionário online de autopreenchimento, de agosto a novembro de 2020. Participaram 5.786 pessoas. Após o tratamento do banco de dados, foram selecionadas para o estudo 4.820 pessoas cuidadoras, de todas as regiões do país, das quais 51,2% eram cuidadoras não remuneradas ou familiares e 48,8% eram cuidadoras remuneradas de pessoa idosa.
O resultado retrata um aumento das desigualdades de gênero, raça e classe social, que perpassam o trabalho de cuidados no período da pandemia.
Isso, na visão de Daniel Groisman, é um retrato da desigualdade de gênero, já que a responsabilidade pelo cuidado das pessoas idosas está sendo depositada sobre a parcela feminina da população. “No caso das cuidadoras familiares, esse trabalho é feito de forma não remunerada. Elas não têm esse trabalho nem contabilizado, nem reconhecido pela sociedade e pelo Estado. É como se elas fossem uma parcela invisibilizada da população”, disse o coordenador da pesquisa.
Outro aspecto apontado pelo estudo é que se trata de um contingente envelhecido, em sua maioria, com idades superiores a 50 anos, sendo que um em cada seis cuidadoras familiares são idosas. Além disso, uma em cada três não recebe ajuda de mais ninguém para esse cuidado e somente 16,7% possui uma cuidadora contratada. “Ou seja, são idosos cuidando de outros idosos”, explicou Groisman.
O tempo dedicado às atividades de cuidado também chama atenção: 73,6% das cuidadoras familiares atuam nessa função todos os dias da semana, com jornadas de oito a 12 ou mais horas. “Nas perguntas mais específicas sobre os efeitos da pandemia, 77,5% das cuidadoras familiares disseram que o tempo de dedicação aos cuidados aumentou e 75% responderam que a quantidade de esforço também aumentou nesse período”, afirmou.
Groisman relata que isso se reflete na saúde física e mental dessas mulheres. “Quase que uma em cada duas tem algum problema crônico de coluna que se agravou na pandemia. E os sentimentos de isolamento, tristeza e ansiedade por parte dessas cuidadoras familiares também foram muito aumentados”.
Já em relação às cuidadoras remuneradas, Groisman afirma que um dado que chama atenção é a reprodução de características que são históricas em relação à exploração do trabalho doméstico no Brasil. “É uma atividade realizada, em 60% dos casos, por pessoas negras, de baixa renda e com menor acesso a escolarização. Além disso, o grau de informalidade no trabalho é muito grande. Somente uma a cada três trabalha com a carteira assinada e 88% recebem menos que dois salários-mínimos”, DISSE.
De acordo com o pesquisador, muitas cuidadoras relataram que precisam acumular a realização de tarefas de cuidado com a pessoa, conjuntamente com o cuidado com a casa, o que é um elemento de evidente sobrecarga e sobreposição de atribuições. Além disso, a duração da jornada de trabalho, segundo Groisman, é muito extensa.
“Sete em cada dez cuidadoras remuneradas têm jornadas de 12 a 24 horas diárias, um número elevado delas não têm intervalo de descanso entre um dia de trabalho e outro, como prevê a legislação”. E acrescentou: “30,8% relataram que o tempo de dedicação aumentou na pandemia e 58% informaram que a quantidade de esforço dedicado aos cuidados também teve um enorme aumento. Assim como as cuidadoras familiares, 30% das remuneradas relataram que tem problemas crônicos de coluna e aumento de sentimentos como ansiedade e solidão durante a pandemia”.
As conclusões do estudo indicam a necessidade de fortalecimento das políticas públicas voltadas para a população idosa e suas cuidadoras e cuidadores, nos seus diferentes âmbitos. Para Groisman, o estudo revela um pouco dos impactos da pandemia para a população idosa, pois o que afeta quem cuida, afeta também quem é cuidado.
“A gente tem que se perguntar por que não temos no país políticas mais robustas de cuidado à pessoa idosa, para que essa responsabilidade não fique inteiramente depositada nas famílias e nos indivíduos, de forma a prevenir essas situações de sobrecarga, exaustão, exploração do trabalho, danos para saúde e desigualdades”, pontua.
O objetivo agora, segundo Daniel, é que os dados do estudo sirvam para que se planejem ações, principalmente, em relação às políticas públicas voltadas para a questão do cuidado.
Cuidando de quem cuida
A pesquisa faz parte do projeto “Cuidando de quem cuida: educação continuada e avaliação das condições de trabalho e saúde de cuidadores de pessoas idosas em tempos de Covid-19”, aprovado, em maio de 2020, no edital “Ideias e Produtos Inovadores – Covid-19 – Encomendas Estratégicas”, do Inova Fiocruz (Programa Fiocruz de Fomento à Inovação).
Desde maio de 2020, o projeto desenvolveu materiais audiovisuais de acesso aberto sobre o cuidado de pessoas idosas na pandemia, como cartilhas e vídeos; e realizou um curso remoto de atualização para cuidadores de pessoa idosa na pandemia.
Fonte: Amazonas Atual
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