Grupo de pesquisadores de várias partes do mundo concluiu que o plâncton do planeta se organiza em consórcios microbianos, em que uma espécie depende da outra para viver
Estudo assinado por um grupo internacional de pesquisadores apontou que as interações entre as comunidades de plâncton – microrganismos que formam a base da cadeia alimentar dos oceanos e produzem grande parte do oxigênio do planeta – sofrerão diferentes impactos das mudanças climáticas.
Simulações computacionais sugerem que os organismos dos polos serão especialmente afetados pelo aumento das temperaturas, enquanto os das zonas temperadas terão uma redução do fluxo de nutrientes e os dos trópicos sofrerão com o aumento da salinidade.
As conclusões, publicadas na revista Science Advances, são resultado de modelagens matemáticas realizadas com base no maior inventário de plâncton marinho já realizado, entre 2009 e 2013, pela expedição Tara-Oceans. Durante o período, o veleiro deu a volta ao mundo coletando amostras desses microrganismos em todos os oceanos do globo.
Os primeiros resultados da expedição foram publicados em 2015, em uma edição especial da revista Science (leia mais em: agencia.fapesp.br/21231/).
“Aquela primeira publicação fazia uma fotografia do que existe de microrganismos nos oceanos: as espécies e a abundância de cada uma. Foi um dos maiores projetos de sequenciamento genético realizados até hoje”, conta Hugo Sarmento, professor do Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e um dos dois autores de instituições brasileiras participantes do estudo atual, apoiado pela FAPESP.
“Ao analisar os dados, porém, percebemos que esses organismos dependem uns dos outros para viver, formando verdadeiros consórcios microbianos. São muito mais interações do que imaginávamos e as mudanças climáticas podem afetá-las consideravelmente”, diz o pesquisador.
Sarmento foi um dos pesquisadores embarcados no veleiro, em 2009. No último domingo (19/09), a embarcação chegou novamente ao Brasil, com a primeira parada em Belém, para um novo projeto, o AtlantECO. Focado no Atlântico Sul, reúne pesquisadores de 13 países da Europa, Brasil e África do Sul.
Depois de coletar amostras nas águas do norte brasileiro, o veleiro vai passar ainda por Salvador (outubro), Rio de Janeiro e Florianópolis (novembro). Em seguida, segue para a Antártica e para a costa africana. Ao voltar para a França, de onde partiu em dezembro de 2020, a expedição terá totalizado dois anos de duração.
No Brasil, o projeto envolve ainda expedições científicas no navio Alpha Crucis, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), e no Veleiro ECO, desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As outras instituições brasileiras envolvidas são a UFSCar, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Consórcios microbianos
A partir dos dados coletados na expedição 2009-2013, e com o auxílio de ferramentas estatísticas, os pesquisadores reconstruíram as redes de interações entre os microrganismos. Mais do que catalogar as 20.810 unidades taxonômicas operacionais (o equivalente a espécies) de microrganismos encontradas, portanto, os pesquisadores identificaram 86.026 interações potenciais, que podem ser positivas (simbiose ou mutualismo, por exemplo) ou negativas (como predação ou parasitismo).
“Se identificamos duas espécies que sempre aparecem juntas, é possível que haja uma interação positiva ali, ou seja, uma dependa da outra. Mas, se cada vez que uma aumenta a outra diminui, pode haver uma interação negativa, uma se alimenta da outra, por exemplo. Fizemos as comparações dessas mais de 20 mil espécies par a par e obtivemos esse número de interações potenciais, em que cada espécie é como um nó de uma rede complexa”, explica o pesquisador.
Espécies ubíquas, que ocorrem no mundo todo, foram minoria. A maioria dos organismos tem uma distribuição que varia com a latitude, formando redes distintas nos polos, nas regiões temperadas e nos trópicos.
Com base nessa informação, unida a dados ambientais como temperatura, salinidade e disponibilidade de nutrientes, os pesquisadores simularam os efeitos das mudanças climáticas em cada uma dessas comunidades.
Sabe-se, por exemplo, que cada espécie ocorre apenas num determinado intervalo de temperatura. Com um aumento que pode ultrapassar os 3°C previsto para o fim do século, por exemplo, algumas espécies podem deixar de existir naquele local. E comunidades que hoje possuem essas espécies teriam todo o funcionamento alterado no futuro.
“Fizemos essas simulações para vários estressores. Na região temperada, as mudanças no regime de nutrientes parecem ser mais importantes. Enquanto nos trópicos são a temperatura – embora menos do que nos polos – e a salinidade os maiores estressores das redes de plâncton”, diz Sarmento.
Nos polos, a temperatura é um fator ainda mais crítico. “Uma vez que os maiores aumentos ocorrem justamente nas regiões polares, podemos antecipar grandes mudanças no funcionamento dessas comunidades, com consequências importantes para o equilíbrio do sistema”, afirma o pesquisador.
O estudo alerta que essas alterações podem redundar numa menor produção de oxigênio, uma vez que os microrganismos marinhos produzem cerca de metade do gás na Terra. Além disso, podem afetar a capacidade dos oceanos de capturar e reter carbono da atmosfera.
Atualmente, eles absorvem um quarto dos gases de efeito estufa emitidos pela ação humana, como a queima de combustíveis fósseis. Mudanças na atividade planctônica, portanto, podem agravar ainda mais o quadro atual.
As alterações podem afetar ainda a biomassa de plâncton, que é a base da cadeia alimentar marinha. Com isso, é possível antecipar mudanças na distribuição e quantidade de estoques pesqueiros.
O outro coautor brasileiro do estudo é Pedro Ciarlini Junger Soares, que realiza doutorado na UFSCar sob orientação de Sarmento e atualmente faz estágio de pesquisa no Institut de Ciències del Mar (ICM), na Espanha, ambos com bolsa da FAPESP.
O artigo Environmental vulnerability of the global ocean epipelagic plankton community interactome pode ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abg1921.
Fonte: Revista FAPESP
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