Se involuntariamente gatos dançarem no Madeira ou os ianomâmis perderem a coordenação motora em 20 anos, não terá sido o texto da Convenção que falhou.
Por Juarez Baldoino da Costa
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Em Minamata no Japão alguns gatos começaram a dançar e algumas pessoas apresentaram fadiga crônica, comprometimento da visão e da audição, perda de coordenação motora, convulsões, estado de coma e morte. Foi considerada uma doença à época, em 1953, mas depois confirmou-se que foi envenenamento por ingestão de pescados contaminados por mercúrio, obtidos na baía da cidade, na qual foram identificados resíduos do metal nela despejados pela empresa química Chisso.
Os efeitos do veneno podem levar até 20 anos para se manifestar e são irreversíveis.
A investigação e as ocorrências culminaram com a aprovação na ONU da Convenção de Minamata em 2013, da qual o Brasil é signatário e a adotou através do Decreto Legislativo 99 de 2017 do Senado Federal, sendo promulgada pelo decreto federal 9.470/2018.
A autorização de garimpagem de ouro em São Gabriel da Cachoeira no Amazonas dada pelo governo federal no início de dezembro/21, pode ser considerada como violação da Convenção, mesmo que não percebida, cujas consequências internacionais ainda não se concretizaram, embora a autorização tenha sido revogada em 27 de dezembro último, e até por motivos outros.
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O documento internacional trata do uso industrial, da comercialização e estocagem do mercúrio em geral, e também de sua aplicação na garimpagem, o que está relacionado tanto no caso de São Gabriel quanto no caso do Rio Madeira, palco de recentes episódios das balsas.
Pela Convenção, não há intromissão externa nas questões domésticas que o Brasil discute em relação a se pode haver exploração em terras indígenas ou não, se o meio ambiente pode ou não ser explorado desta forma, se há legalidade tributária ou operacional, e se tem licença do poder publico ou não.
A preocupação da ONU foi tentar impedir, por qualquer que seja a justificativa, que os gatos dancem involuntariamente, e por consequência, permitir que as pessoas possam dançar livremente suas danças, como por exemplo os argentinos com o tango, os bailarinos na Rússia ou os brasileiros com o samba, ou ainda os indígenas ianomâmis (ou Yanomamis) que dançam seus rituais internacionais.
Os habitantes humanos do planeta dançam e isto tem sido sinal de vitalidade e normalidade; preservar esta característica é uma das funções da ONU.
Se involuntariamente gatos dançarem no Madeira ou os ianomâmis perderem a coordenação motora em 20 anos, não terá sido o texto da Convenção que falhou.
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