Estudo da USP analisa a coloração dessas vespas pelas Américas e mostra que características morfológicas podem estar sob influência de fatores climáticos
Mesmo sem predadores conhecidos, reforçar um padrão de cor perigoso, até então, explicava a variação das cores das espécies de vespas conhecidas como formigas-feiticeiras ao longo das Américas. Ao analisar a presença de melanina em seus exoesqueletos e cruzar com os dados climáticos de cada espécie, o entomologista Vinicius Marques Lopez mostrou que características morfológicas, como a coloração dos animais, podem estar sob influência de fatores climáticos, a depender da umidade, vegetação e exposição à radiação ultravioleta. Os dados vão de encontro ao consenso da comunidade científica e abrem novas alternativas para o entendimento de como a vida animal se apresenta em diferentes regiões.
O artigo intitulado Color lightness of velvet ants (Hymenoptera: Mutillidae) follows an environmental gradient descreve o estudo de Lopez, doutorando em Entomologia no campus de Ribeirão Preto da USP, foi publicado em agosto deste ano na revista Journal of Thermal Biology. O trabalho foi orientado por Rhainer Guillermo-Ferreira, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e do Programa de Pós-Graduação em Entomologia da USP, teve colaboração de outros pesquisadores de instituições nacionais e internacionais e contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Nem formigas, nem feiticeiras
Uma das maneiras de conhecer esses insetos é pela forma como são chamados no Brasil, e a mais comum é “formiga-feiticeira”. O pesquisador explica que, apesar de comumente confundidas com formigas, as mais de cinco mil espécies da família Mutillidae são, na verdade, vespas. Essa confusão acontece pelo fato de as fêmeas não possuírem asas, e isso também explica a etimologia do nome do grupo, que vem de “mutilado”.
Por conta das cores diferentes e chamativas, popularmente o grupo recebe o nome de “feiticeira” também pela estranheza e mistério que o animal carrega para grupos indígenas. Também devido às cores, elas são chamadas de “oncinhas” em algumas regiões do País. Outro nome que denuncia suas características é “formiga-veludo”: essas vespas possuem pequenas cutículas que cobrem seu corpo e dão um aspecto aveludado. Já o apelido “formiga-sozinha” reflete o comportamento deste inseto. “Elas são vespas solitárias, geralmente encontradas sozinhas, diferentes de outras vespas e formigas que sempre estão acompanhadas de outras da espécie”, explica.
Esse grupo de formigas, ou melhor, vespas é encontrado no mundo todo, principalmente ao longo das Américas do Norte, Central e do Sul. Nos Estados Unidos, o inseto é conhecido como cow-killer, ou “mata-vaca”, em livre tradução do inglês. O nome pegou pela dolorosa picada do animal – ainda que a ferroada não seja capaz de matar uma vaca, está entre as mais perigosas.
Além da picada, o grupo possui uma série de estratégias de defesa, como emissão de sons ao contrair o abdômen e um rígido exoesqueleto à prova de tentativas de mordidas e esmagamentos. Lopez explica que, evolutivamente, esses mecanismos são adaptações contra a predação de outros animais – e isso inclui suas fortes cores –, entretanto, não se sabe quem são os predadores de Mutillidae.
O clima ou os predadores dão cor às vespas?
Para evitar os predadores na natureza, os animais podem buscar imitar espécies perigosas, através de estratégias adaptativas chamadas de mimetismos. De acordo com o cientista, há dois tipos principais de mimetismo que explicam a variação de cor dessas vespas pelo globo: o batesiano e o mülleriano. Esse primeiro diz respeito a casos em que o animal modelo apresenta características indesejáveis aos predadores e é imitado por outro que não tem a mesma sorte, como a coral-verdadeira, venenosa, que tem suas listras imitadas pela falsa-coral, que não apresenta perigo às presas.
No mimetismo mülleriano, tanto o mímico quanto o modelo têm aspectos que devem ser evitados pelos predadores. Ao contrário do batesiano, que pode “passar a ideia errada” e ensinar o predador que aquelas cores ou formas indicam risco, quando ele se alimenta de uma falsa-coral e nada de ruim acontece, por exemplo, o mülleriano busca reforçar um padrão.
Estudos sobre esses insetos explicavam a grande variação de cor das vespas pelo continente americano pelo mimetismo mulleriano. Mas, para que mimetismo se não há predadores? Buscando outra explicação para as cores em Mutillidae, os pesquisadores levantaram a hipótese, na área da ecogeografia, que as cores, assim como outras características morfológicas de animais, podem variar conforme os gradientes ambientais.
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Uma das hipóteses é a da fotoproteção, que diz que animais vão ser mais escuros em locais com mais radiação ultravioleta, porque a melanina, pigmento que dá cor aos nossos cabelos, pele e olhos e também ao exoesqueleto desses insetos, atua como protetor contra a degradação do DNA, explica Lopez. Outra diz que os animais vão ser mais escuros em ambientes mais úmidos e a terceira é chamada de melanismo térmico, em que os animais tendem a ser mais escuros em ambientes mais frios, com menos sol. “Como são ectotérmicos, precisam de fontes externas de calor para manter sua temperatura e começar suas atividades, então ser escuro acelera a absorção de calor”, afirma.
“Eu tô te explicando pra te confundir”
Para analisar a variação de cor das vespas de acordo com o gradiente ambiental, o pesquisador fotografou peças das espécies da família, pertencentes ao Museu de Zoologia da USP (MZ), e utilizou um programa computacional que cruza os dados de coloração com as informações geográficas de origem da coleta de cada espécie. Além disso, foram levadas em conta as relações filogenéticas entre as espécies, através de árvore genealógica, o que corrige o viés de parentesco entre os indivíduos.
Os dados mostram que espécies mais escuras tendem a viver em ambientes com mais vegetação, maior umidade relativa e maior radiação ultravioleta. “Nossos resultados corroboram a hipótese da fotoproteção e vão de encontro ao melanismo térmico: em ambientes com alta radiação ultravioleta as espécies são mais escuras e não houve relação significativa entre coloração e temperatura”, afirma.
“Os resultados obtidos fornecem evidências de que o clima e o meio ambiente podem atuar como filtros ecológicos e como quadros seletivos que impulsionam a evolução da coloração das formigas-feiticeiras”, completa. Segundo ele, as descobertas revivem uma hipótese de Henry Walter Bates (1825-1892), descobridor do mimetismo batesiano e naturalista da época de Charles Darwin, na qual sugere que a coloração mimética e contra predação pode estar sob a influência de fatores climáticos e não apenas de predadores.
A pesquisa apresenta uma nova alternativa para explicar as variações morfológicas de um grupo em diferentes regiões, para além das relações predatórias, que, até então, eram o aspecto de maior consenso na comunidade científica. Comum no processo científico, o estudo retoma ideias até então superadas, abre novas perspectivas de interpretação e, como brinca o autor em referência à canção “Tô”, de Tom Zé, explica para confundir.
O pesquisador destaca a importância do Museu de Zoologia para o desenvolvimento da sua pesquisa: “Nós temos o prazer e a honra de ter uma das maiores coleções zoológicas de maior prestígio no mundo, com matérias de vários lugares do mundo e de fácil acesso e uso”, diz. Segundo ele, sem museus como esse em pé, funcionando e dando acesso a pesquisadores, trabalhos como estes não seriam possíveis, porque investigar espécie por espécie pelo mundo exige custos elevados de investimento.
Mais informações: e-mail [email protected], com Vinicius Marques Lopez.
Fonte: Jornal da USP
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