Para a professora Adriana Marotti de Mello, apesar de haver uma tendência de investimentos e novos projetos, o setor ainda depende fortemente de incentivos governamentais
A redução de gases poluentes e a emergência climática são tópicos que estão nas agendas dos principais países do mundo. A Europa, recentemente, propôs como meta para até 2035 acabar com as vendas de carros a combustão. A proposta é substituir o atual modal movido a combustíveis fósseis por modelos elétricos. Esse movimento de incentivo para o consumo de automóveis desse nicho parece ser uma tendência no mercado automotivo, sendo bem aceita pelo consumidor.
Em 2021, no primeiro trimestre, foi registrado um aumento de 140% nas vendas de veículos elétricos mundial, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA). No Brasil, as vendas de veículos elétricos, em comparação ao ano passado, apresentaram um aumento de 29,4%. Segundo as projeções do IAE, esse crescimento do modal elétrico irá manter-se estável até 2030, quando é estimado que a frota de veículos leves eletrificados no mundo deverá chegar a 22 milhões de unidades. Dentro desse universo, o Brasil deve representar cerca de 180 mil unidades.
“Nos anos 2000, começou uma tendência mais forte de veículos, muito por pressão ambiental, pelo desenvolvimento tecnológico dos veículos elétricos também”, contou em entrevista Adriana Marotti de Mello, professora e doutora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. De acordo com ela, o crescimento das vendas desse mercado em países europeus, como a Noruega, e asiáticos, como a China, deu-se por conta de uma série de incentivos estatais.
Mercado e incentivo
“Há realmente uma tendência de maiores investimentos, as montadoras estão anunciando novos projetos, novos veículos, mas, apesar disso tudo, ainda é um mercado que depende muito fortemente de incentivos governamentais.” Mesmo havendo um crescimento no mercado automotivo elétrico, o custo ainda é elevado internacionalmente. Nos Estados Unidos, o veículo elétrico mais acessível é o Smart Fortwo, custando R$ 126.572,90. Já no Brasil, o preço do elétrico mais barato disponível no mercado, o JAC iEV 20, é de R$ 159.990,00. Dessa forma, o setor fica restrito somente a um mercado consumidor com um poder de compra superior ao da maioria da população do País.
Na China, maior mercado elétrico do mundo, o valor é mais acessível ao público, o Wuling Hongguang Mini EV, modelo compacto mais barato desse mercado, custa R$ 23.600,00. No entanto, como destaca Adriana, a acessibilidade desse mercado na China depende fortemente de incentivos de isenção fiscal e até mesmo de incentivos financeiros para levar o consumidor a optar pelo veículo elétrico em detrimento do veículo movido a combustível fóssil. Em meados de 2019, o governo chinês tentou reduzir os incentivos para acostumar o mercado a uma nova realidade, no entanto, a resposta não foi positiva.
O mercado brasileiro também possui incentivos e empecilhos em torno do carro elétrico. De acordo com Adriana, mesmo em períodos onde o mercado esteve muito favorável, não houve uma sinalização forte por parte do governo federal em direção a uma efetiva mobilidade elétrica. O atual governo não dá indícios em relação ao uso e venda e à produção local de veículos elétricos, criando um cenário nacional dominado por veículos híbridos importados ou que dependem de importações para a fabricação, encarecendo o custo do produto.
Perspectivas para o futuro
De acordo com Adriana, existe o risco de o Brasil ficar isolado nas cadeias globais de produção devido à forma que as montadoras realizam seu planejamento. Existem poucas montadoras no mundo de nível multinacional que criem planos de negócios de acordo com as características únicas de cada mercado. Conforme a demanda e os incentivos a veículos elétricos crescem nos principais mercados automotivos do mundo, os fabricantes alinham suas produções e pesquisas de desenvolvimento tecnológico para essa área como forma de inovação e de ter a dianteira no mercado. Segundo a professora, quem não realmente aderir a esse movimento elétrico verá sua indústria nacional isolada no cenário internacional.
Um ponto ressaltado pela especialista é que um isolamento dessa tendência mundial permitiria o desenvolvimento pleno do etanol e suas tecnologias. Como o Brasil é pioneiro nessa forma de biocombustível, a preferência é de adaptar para a maior eficiência um tipo de combustível consolidado no mercado. A adoção dessa medida faz sentido devido ao fato de que o Brasil possui uma indústria em torno da cana-de-açúcar forte e dispõe de todas as infraestruturas necessárias para a produção e distribuição do etanol. Por outro lado, o mercado de exportações automotivas iria ficar cada vez mais restrito para o Brasil, uma vez que veículos movidos a biocombustíveis são exportados para alguns países da América Latina e alguns do continente africano, conforme explica Adriana.
Para impedir esse isolamento, a especialista diz que, se não houver políticas públicas de incentivo de médio e de longo prazo ou uma política de regulação de poluentes na atmosfera, que atualmente não existem no Brasil, o cenário de isolamento será quase certo. “Então, o Brasil está competitivamente se olhando numa posição muito delicada, eu diria, para o futuro da indústria automotiva”, conclui Adriana.
Fonte: Jornal da USP
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