No amplo galpão da fábrica na zona norte de Manaus, as máquinas operam 24 horas por dia com 100% da capacidade. As linhas de produção automatizadas garantem o mínimo contato entre os 400 colaboradores, que não tiveram redução de jornada durante a pandemia. Ao contrário: a demanda por insumos hospitalares aumentou 10%.
Enquanto estados e o governo federal travam uma corrida por seringas e agulhas para garantir a vacinação contra a Covid-19, a fábrica da SR (Saldanha Rodrigues) em Manaus, uma das quatro que produzem tais insumos no Brasil, opera a plena carga para abastecer o mercado nacional.
Mas todo esse reforço na produção pode não ser suficiente para garantir a imunização dos brasileiros contra a Covid-19, ou seja, para a aplicação das duas doses da vacina em pelo menos 70% da população, sem risco de desabastecimento ao longo da campanha.
Isso porque o Ministério da Saúde restringiu a vacinação a apenas um modelo de seringa: a de 3 ml com o chamado “bico de rosca”, limitando a produção nacional a 1,5 milhão por dia. A indústria pode não dar conta da demanda a tempo da chegada das doses em todos os estados.
“Quando o ministério escolhe apenas um modelo de seringa assim, em cima da hora, ele limita toda a capacidade de produção das empresas, porque as linhas de produção levam até um ano para serem adaptadas para um novo molde. Vai acontecer isso, de alguns estados terem seringa de 3 ml e outros não para a vacina”, afirma o o diretor-técnico da SR, Tomé da Silva.
Para se ter uma ideia do impacto, nas duas fábricas da SR, em Manaus e Pedro Juan Cababallero, no Paraguai, a capacidade de produção é de 3,5 milhões de seringas por dia, de todos os modelos. Considerando apenas o modelo de 3 ml especificado pelo ministério, cai para 500 mil por dia.
Já somando os quatro modelos usados pelo Plano Nacional de Imunização em vacinações anteriores, passa para 2 milhões por dia. Ele afirma que a produção diária do país poderia ser de 6 milhões de seringas por dia, caso a especificação técnica incluísse os modelos de 0,5 ml, 1 ml, 3 ml e 5 ml.
As seringas seriam combinadas com modelos diferentes de bicos e agulhas para se adaptar a cada necessidade. “Isso ampliaria a produção para cerca de 100 milhões por mês. Em questão de três meses resolveríamos a demanda do país todo. Isso vai acelerar o processo de vacinação e evitar que haja um desabastecimento nos estados”, sugeriu. “Estávamos falando e o governo não estava ouvindo, a verdade é essa”, completou.
Os fabricantes de seringas dizem que o Brasil pode assegurar, sem depender de importações nem medidas comerciais restritivas, os insumos para a vacinação de 150 milhões de brasileiros, contando apenas com a produção interna.
Segundo o diretor e presidente da SR, Luiz Antonio Saldanha Rodrigues, 74, a indústria nacional tem capacidade para produzir 1,2 bilhão de seringas e agulhas por ano nas quatro fábricas instaladas no país.
Para ele, as medidas adotadas pelo governo federal para adquirir os insumos – que vão de restrições à exportação à requisição administrativa de 30 milhões de seringas e agulhas das indústrias brasileiras – são desnecessárias.
“É [uma medida] inócua. É uma precaução do governo, mas a verdade é que não falta seringa no mercado. E as fábricas estão preparadas para suprir o aumento da demanda, mesmo porque ninguém vai tomar 300 milhões de doses num dia”, justificou, ao lembrar que o calendário de vacinação do ministério se estende até 2022.
Segundo a Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos), entidade que representa as indústrias de equipamentos médicos, a capacidade produtiva das fábricas brasileiras é de 1,2 a 1,5 bilhão de seringas por ano.
Desde agosto do ano passado, a Abimo alerta para a importância de um planejamento conjunto entre governos e fabricantes para a produção de seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19, de forma a evitar a escassez e a disputa por insumos.
Na última quinta, 7, o governo federal anunciou a requisição administrativa de 30 milhões de kits de agulhas e seringas das três fabricantes brasileiras, alegando “iminente perigo público”. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que as novas compras desses insumos estariam suspensas até que os preços voltassem “ao normal”.
Além da SR, as empresas Becton Dickinson Indústrias Cirúrgicas, com fábricas em Curitiba (PR) e Juiz de Fora (MG), e Injex, em Ourinhos (SP), têm até 30 de janeiro para entregar o estoque ao Ministério da Saúde, que vai pagar uma indenização.
A medida, que pretende centralizar a compra de insumos e pode comprometer as entregas de compras já realizadas pelos estados, foi adotada após um pregão conseguir comprar apenas 7,9 milhões dos 331 milhões de seringas e agulhas pretendidas. O preço cobrado pelas empresas, acima do esperado pelo governo, foi o principal empecilho para o sucesso do pregão.
As empresas alegam que os preços foram elevados pelo aumento na demanda e pela alta do dólar, que elevou em até 50% o custo do polipropileno, um tipo de plástico que é o principal insumo na fabricação de seringas.
O governo federal também restringiu as exportações de seringas e agulhas e zerou as taxas de importações desses insumos, “criando uma concorrência desleal” e uma “situação perigosa” para as empresas brasileiras, alerta Tomé da Silva, da SR. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o Brasil tem assegurados 60 milhões de kits de agulhas e seringas para a vacinação contra a Covid-19 e 354 milhões de doses da vacina.
Outros 40 milhões de seringas e agulhas devem ser adquiridas por meio da Opas, braço para as Américas da OMS. Ainda segundo o ministério, o estoque dos estados e municípios para iniciar a campanha de imunização contra a Covid-19 é satisfatório e novos processos licitatórios devem ser abertos para atender a demanda crescente.
Na última quinta, 7, o STF determinou que o ministério informe, em cinco dias, o estoque de seringas e agulhas para vacinação. Levantamento da Folha revelou que as secretarias estaduais têm cerca de 116 milhões de seringas e agulhas em estoque para iniciar a vacinação.
A Frente Nacional de Prefeitos, por sua vez, já alertou que o estoque que os estados possuem é destinado também a outras campanhas de vacinação, como a contra o sarampo, além do atendimento nas unidades de saúde. Caso esse estoque não seja reposto na mesma velocidade da demanda atual, pode haver falta de insumos ao longo da vacinação.
Fonte: Amazonas Atual
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