O ano de 2021 começa com uma boa notícia para pesquisadores brasileiros e sul-americanos com perfil empreendedor envolvidos em projetos de inovação radical. Os gestores do fundo de investimentos Pitanga, um dos poucos no continente que têm como objetivo apoiar empreendimentos disruptivos, anunciaram um segundo ciclo de negócios. O novo fundo, batizado de Pitanga Redux, iniciou em junho de 2020 a escolha dos projetos que serão apoiados. Até o momento, já foram analisadas mais de 200 propostas e ele continua recebendo projetos. O valor total investido pelo fundo vai depender dos projetos selecionados. “Somos muito flexíveis em relação ao ramo de atividade dos proponentes, mas criteriosos em relação às propostas”, define o gestor Gabriel Perez. “Só apoiamos projetos tecnologicamente ambiciosos, desenvolvidos por cientistas, e com grande potencial de mercado.”
Segundo o executivo, o Pitanga Redux não tem uma meta predeterminada do número de negócios que serão apoiados ou um valor a ser investido por empresa. Também não tem um prazo ou meta preestabelecida para o desinvestimento, ou seja, a venda da participação na empresa apoiada, quando o investidor recebe os dividendos sobre o capital aportado. “Temos liberdade de ação, o que permite que sejamos rigorosos na seleção dos projetos e ao mesmo tempo flexíveis para acomodar ciclos de maturação mais longos, o que costuma ser necessário para as empresas que estão desenvolvendo novas tecnologias”, diz Perez.
O Pitanga Redux se insere em um perfil de instrumento financeiro denominado de venture capital, um tipo de investimento que consiste na compra de participação, por meio de ações, bônus ou debêntures, de empresas inovadoras de pequeno porte com capital fechado em um estágio inicial de desenvolvimento. Para o investidor é uma oportunidade de lucrar com o desenvolvimento e a expansão do negócio. Para o empreendedor, uma alternativa para obter recursos para seu projeto sem recorrer a empréstimos bancários.
Uma característica dos fundos de venture capital é auxiliar as empresas que recebem o investimento a desenvolver estruturas adequadas de gestão e governança corporativa. De acordo com Perez, isso é particularmente importante em empresas criadas por cientistas, que em geral têm pouca experiência em gestão de negócios.
“Muitas vezes construímos o plano de negócios a quatro mãos, ajudando os empreendedores a criar metas e orçamentos realistas”, afirma o biólogo Fernando Reinach, criador do fundo Pitanga e conselheiro do Pitanga Redux. O cientista foi um dos coordenadores do projeto que sequenciou o genoma da bactéria Xylella fastidiosa, uma praga que afeta os laranjais do país (ver Pesquisa FAPESP no 50).
Rede de satélites
O fundo Pitanga original foi criado em 2011 sob a liderança de Reinach e reuniu R$ 115 milhões de um grupo formado por nove empresários brasileiros, entre eles Pedro Moreira Salles, um dos controladores do Itaú Unibanco; Cândido Bracher, presidente do Itaú Unibanco; Fernão Bracher, ex-presidente do Banco Central; os sócios da Natura Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos; e o presidente do conselho da Votorantim, Eduardo Vassimon. O Pitanga Redux é uma segunda versão, reúne seis dos nove investidores originais e renovou quatro nomes. É um fundo fechado, ou seja, a entrada e saída de cotistas não é aceita antes do seu encerramento.
No processo de seleção do primeiro Pitanga, os gestores analisaram mais de 2 mil projetos, optando pela seleção de apenas três empreendimentos, que receberam 100% dos recursos captados pelo fundo. “Agora, no Pitanga Redux, esperamos investir em mais empresas. Nossa leitura é que o ecossistema brasileiro e sul-americano de science-based tech está amadurecendo e a quantidade de bons cientistas-empreendedores com projetos de alta qualidade vem aumentando”, avalia Perez. “Não temos limitação em relação ao número de projetos apoiados, mas somos rigorosos em relação aos critérios de avaliação. Buscamos projetos baseados em novas descobertas científicas ou tecnologias radicalmente inovadoras, idealmente patenteáveis, com grande potencial de mercado, de preferência global. O principal fator limitante acaba sendo a oferta de projetos que atendam a esses critérios.”
Uma das startups escolhidas pelo Pitanga foi a uruguaia Collokia, um projeto que previa o uso de inteligência artificial para a colaboração e troca de informações entre colegas de trabalho, mas não vingou. Outra foi a brasileira I.Systems, especializada em soluções de inteligência artificial para processos industriais, que também contou com financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP (ver Pesquisa FAPESP no 211). Criada por engenheiros da computação formados pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela já foi desinvestida pelo Pitanga. A participação do fundo na empresa foi adquirida pela fabricante de bebidas Ambev. O lucro obtido com o negócio não é informado pelos gestores.
A terceira startup escolhida, a argentina Satellogic, é especializada em imagens de satélite de alta definição e recentemente entrou em fase comercial. Criada por dois matemáticos, os argentinos Emiliano Kargieman e Gerardo Richarte, a Satellogic está construindo uma constelação de pequenos satélites de observação terrestre de alta resolução capaz de gerar imagens atualizadas de qualquer lugar da superfície terrestre a cada cinco minutos. “É uma inovação com grande potencial de impacto na gestão dos recursos do planeta voltados para agricultura, geração de energia e conservação ambiental”, define Perez.
A Satellogic desenvolveu e patenteou uma série de tecnologias, como um sistema de estabilização de imagens, que permite um satélite com um telescópio pequeno fazer imagens multiespectrais da Terra em resolução entre 70 centímetros e 1 metro. A startup também desenha, fabrica e integra seus próprios componentes, ao contrário dos concorrentes, que costumam trabalhar com peças de prateleira (aquelas compradas de fornecedores especializados). “Combinando esses dois elementos, os satélites da Satellogic conseguem entregar uma performance de um satélite grande a um custo 100 vezes menor”, diz Perez.
“No curto prazo, os custos mais baixos permitirão à startup capturar parcela relevante do mercado atual de observação terrestre. Em longo prazo poderá viabilizar economicamente a ampliação da constelação para centenas de satélites que poderão ser utilizados para criar uma plataforma de imagens da Terra com atualização em tempo real, algo que ainda não existe e deverá possibilitar a criação de novos mercados muito maiores”, prevê o executivo. “Será uma espécie de Google Earth em tempo real.”
Além do fundo Pitanga, a Satellogic conta com o apoio financeiro do portal de serviços de internet chinês Tencent, dos fundos norte-americanos Valor Capital Group e CrunchFund e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em novembro de 2020, a startup argentina lançou 10 satélites, ampliando para 21 o número de artefatos em órbita. Recentemente, ela fechou seu primeiro contrato. A empresa de ciência de dados chinesa ABDAS contratou as imagens de satélite com o objetivo de monitorar a atividade agrícola na província de Henan, na China. “A Satellogic é um negócio ambicioso, com grande potencial de retorno. No Pitanga Redux, estamos procurando novas Satellogic para investir”, exemplifica Perez.
Tecnologias robustas
Segundo levantamento realizado pela consultoria KPMG para a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), os investimentos em venture capital no Brasil somaram R$ 10,2 bilhões em 2019. No primeiro semestre de 2020, o total foi de R$ 5,7 bilhões. Os investimentos em private equity, destinado às empresas mais maduras, foram de R$ 12,8 bilhões em 2019 e R$ 4,5 bilhões no primeiro semestre do ano passado.
O perfil predominante entre as empresas que recebem os investimentos tipo venture capital no Brasil são startups que desenvolvem plataformas e processos digitais que modernizam propostas de negócios tradicionais. O fundo Pitanga se difere por ser exclusivo para as startups classificadas como deep tech, ou seja, startups com o objetivo de fornecer soluções de tecnologias baseadas em desafios científicos ou tecnologias realmente inovadoras, que geram patentes. “O risco tecnológico é maior. E o retorno, quando você acerta, é muito alto”, resume Reinach.
Para o engenheiro de produção Eduardo Zancul, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e membro da coordenação adjunta de Pesquisa para Inovação da FAPESP, o ecossistema de inovação de um país se beneficia muito quando há disponibilidade do capital privado em apoiar cientistas que desenvolvem inovação radical. “Muitas vezes são projetos que podem gerar grandes resultados para a sociedade, mas que nem sempre contam com os recursos necessários para o seu desenvolvimento”, salienta. “Daí a importância de fundos de venture capital dispostos a correr maiores riscos e investir em projetos de inovação radical.”
Yuri Vasconcelos e Domingos Zaparolli
Fonte: Revista FAPESP
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