“É possível conciliar, assim, o desenvolvimento no bioma Amazônia, com metas de melhoria dos IDHs dos municípios, e com diversificação produtiva, com a floresta em pé. O caminho está dado; propostas já começam a ser colocadas na mesa.”
O Brasil é um país marcadamente desigual. A nossa desigualdade regional é apenas uma das suas dimensões. Com ela vem a desigualdade de renda das famílias, a desigualdade educacional e de oportunidades. Agrava-se o quadro as perversas desiguais de gênero e racial. Tudo no Brasil perpetua desigualdade. Estamos girando em um ciclo vicioso em que o desigual já não causa tanta perplexidade.
Note, por exemplo, que os investimentos públicos, em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, se distribuem desigualmente, perpetuando disparidades. Os gastos tributários, associados com renúncias fiscais, são distribuídos desigualmente pelo território brasileiro.
No desigual há desigualdade. O bioma Amazônia não é igual. Envolve estados da federação com dinâmicas distintas, e abrange países com histórias, culturas e línguas também diferentes. Dentro do Brasil, entremeio à floresta amazônica, tem o estado do Pará, responsável por metade da população da região Norte, mas responde apenas por 18% do valor adicionado bruto da indústria de transformação nortista. O estado do Amazonas responde por 18% da população do Norte, mas contribui com 70% do valor adicionado da indústria de transformação de toda a região. Sem querer me alongar muito, o Pará tem como atividade principal a chamada Indústria Extrativa, dono de 92% de todo o valor adicionado bruto desta atividade nortista.
Os índices de cobertura natural da floresta amazônica distanciam novamente esses dois protagonistas do Norte. No estado do Amazonas, há estudos indicando que mais de 95% da cobertura é natural.
Talvez por isso a renda per capita do Pará cresceu 3,5 vezes destes os anos 1970, enquanto do Amazonas aumentou 8 vezes. Nos termos de hoje, a renda per capita do Pará é próxima da metade da renda amazonense. A atividade econômica molda o padrão de renda per capita. Com ela vem educação e qualificação dos trabalhadores em geral. Os indicadores de escolaridade dos trabalhadores na indústria do estado do Amazonas são disparadamente melhores do que no Pará.
A roda vai se retroalimentando. Mais empregos de qualidade, atividade econômica de baixo carbono, indústria limpa, estímulo à qualificação e treinamento, melhores índices educacionais, maior nível de renda.
A estrutura produtiva também molda as receitas tributárias. Enquanto o Estado do Amazonas contribui com 18,7% do seu PIB em receitas tributárias para a União, sendo, com isso, o cinco estado mais arrecadador de tributos do país, o Pará figura como o antepenúltimo, arrecadando 11% de seu PIB para a União.
Assim, se forma o ciclo da vida econômica nas desiguais regiões brasileiras. Mesmo mais dinâmico do que o Pará, no Amazonas, os índices de desenvolvimento humano (IDH) de alguns municípios nos causa perplexidade.
Como pode, em meio a tanta riqueza natural e com tantos recursos gerados pela atividade econômica dinâmica e diversificada, coexistir a pobreza?
Enquanto a capital Manaus tem IDH acima de 0,72 -um pouco abaixo da média brasileira -, Atalaia do Norte, Santa do Rio Negro, entre outros municípios, tem IDH abaixo de 0,48, o que é similar a de países marcados pela tragédia social, como Etiópia, Senegal e Serra Leoa.
É persistente a desigualdade de renda per capita entre os estados da federação brasileira. Não há convergência de renda á vista nem mesmo a longo prazo. Quanto mais distante dos centros consumidores do Sudeste, mais complexa se torna a vida de empresas e famílias brasileiras. A desigualdade vai se alimentando.
A boa notícia é que os “hiatos” de desigualdades devidamente endereçados podem ser nossa porta de saída da armadilha da renda média. Noutras palavras, temos muitas oportunidades a explorar; muitas desigualdades a corrigir. Seja racial, de gênero, de renda, de oportunidades ou regional.
Conduzir agenda de redução destas desigualdades pode ser uma poderosa arma para nosso crescimento econômico sustentável de longo prazo. Até aqui, o Brasil tem contato com parcos recursos orçamentários para endereçar os temas da desigualdade. Quando tem algum incentivo fiscal para tal, ou não há avaliação de efetividade, ou são mal vistos -até pelos excessos – por muitos economistas. Afinal, para esses, incentivos fiscais geram distorções alocativas.
Mas, como incentivar regiões mais remotas a desenvolver e gerar emprego de qualidade? Endereçar inequidade é tão importante quanto promover eficiência econômica, especialmente em um país de renda média-baixa, como o Brasil.
Adicionalmente, como conduzir essa agenda em meio a uma ampla reforma tributária brasileira que pretende acabar com incentivos fiscais e colocar todos os impostos a serem apurados no destino, e não mais na origem? É possível promover políticas regionais por meio do orçamento no Brasil? No caso, estamos falando de um país com orçamento rígido, em que mais de 95% das despesas são tidas como obrigatórias. Um país que ainda não aprendeu a realizar investimentos em infraestrutura e gasta mal em educação.
Não parece nada trivial superar esses dilemas. O Brasil tem tido sucessivas oportunidades de sucesso, de superar a armadilha da renda média. E tem perdido praticamente todas essas oportunidades. Mas, parece mesmo que o Brasil é abençoado. Mais uma oportunidade bate na porta. Podemos nos desenvolver sabendo usufruir do privilégio de termos o mais sociobiodiversificado bioma do planeta, o Amazônico.
A Amazônia ocupa 50% de nosso território e pode contribuir, sobremaneira, para o desenvolvimento sustentável de novas cadeias produtivas, com competitividade genuína, como a de fármacos, cosméticos, agroflorestais, psicultura, ecoturismo, entre tantos outros. São economias de baixo carbono, que podem projetar um novo Brasil no cenário mundial.
Em qualquer outro país desenvolvido, oportunidade como essa seria promovida com todas as armas possíveis do Estado. Por meio de pesados investimentos em infraestrutura, em educação de qualidade, com incentivos fiscais -por que não, se devidamente avaliadas suas efetividades? – e promoções ao empreendedorismo de pequenas e médias empresas e da atividade inovadora.
É possível conciliar, assim, o desenvolvimento no bioma Amazônia, com metas de melhoria dos IDHs dos municípios, e com diversificação produtiva, com a floresta em pé. O caminho está dado; propostas já começam a ser colocadas na mesa. No site do nosso “Diálogos Amazônicos” começamos a compilar o tema. Precisamos falar mais sobre isso.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde Coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartasfeiras.
Fonte: Jornal o Estado de São Paulo – Broadcast | Publicação autorizada pelo autor
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