De tempestades de areia em SP a neve no RS, eventos climáticos extremos também marcaram o ano no Brasil. País não está preparado para nova realidade, diz especialista
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê que o Brasil poderá ter novos desastres por chuva excessiva nesta virada de ano. Os dados indicam precipitação intensa em vários estados nos próximos dias, com volumes que podem ultrapassar os 200 mm, em uma potencial repetição do que vem acontecendo na Bahia e norte de Minas Gerais desde novembro, quando as chuvas torrenciais – que já mataram 14 pessoas e deixaram cerca de 20 mil desabrigados – tiveram início. Um ano marcado pelos eventos climáticos extremos terminando com mais um lembrete do que é viver em um mundo 1,1°C mais quente.
Inundações recorde na Europa e Ásia, chuva na Groenlândia, incêndios florestais sem precedentes no norte global e ondas de calor mortais nos Estados Unidos e Europa foram alguns dos eventos meteorológicos que marcaram 2021.
“A mudança climática não é mais uma possibilidade, ela já entrou na casa das pessoas. Já saímos da fase de prospecção do que pode acontecer para entrar na fase das consequências”, diz o professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Côrtes.
No Brasil não é diferente. As chuvas que castigam Bahia e Minas Gerais são a consequência mais recente de um Brasil sob o regime das mudanças climáticas. Mas não faltaram exemplos, durante 2021, de como será o “novo normal” quando o assunto é clima.
Ondas de calor no norte do país em agosto, temperaturas mínimas recorde no sul em julho, a seca histórica que ainda atinge o sudeste, sul e centro-oeste do país – que trouxe como consequência até tempestades de areia em cidades do interior de São Paulo em setembro – são avisos de como será nosso presente e futuro.
“Os exemplos de situações extremas não faltam no Brasil e já estão inseridos no nosso cotidiano, seja pelo aumento de energia elétrica, seja pela falta de água, pelas chuvas torrenciais, pelo frio intenso que manifestou no RS e SC. Temos vários exemplos que vão mostrando que não é uma situação isolada que esporadicamente ocorreu. Assim como em outros locais do mundo, tivemos situações anômalas, que se somaram a uma série de outras ocorrências inusitadas, mostrando, na verdade, um padrão de mudança bastante significativo”, explica o professor da USP.
Só não vê quem não quer
A Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), braço das Nações Unidas para questões do clima, divulgou, em meados de agosto, seu relatório sobre o “Estado do Clima em 2021”. No documento, a WMO trouxe dados compilados dos desastres climáticos ocorridos nos últimos 50 anos, mostrando, mais uma vez, que eles estão cada vez mais frequentes.
Segundo a organização, foram mais de 11 mil eventos contabilizados entre 1970 e 2019, entre secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestade e incêndios, que causaram mais de 2 milhões de mortes e um prejuízo econômico que ultrapassa US$ 3,4 trilhões (R$ 17,5 trilhões). É como se, a cada dia dos últimos 50 anos, cerca de 100 pessoas tenham morrido por desastres naturais.
De acordo com o relatório da WMO, enquanto nos anos 1970 foram registrados 711 desses fenômenos, na década de 2000 o número passou para 5.536 eventos extremos.
No Brasil, o relatório mostra a ocorrência de 193 eventos, uma média de quatro por ano. E é em território brasileiro que foi registrado o desastre mais caro da América do Sul, em termos econômicos: a seca no Sudeste do país entre 2014 e 2016, que acumulou perdas de mais de US$ 5 bilhões, segundo a WMO.
A mudança no padrão de chuvas no sudeste brasileiro já havia sido apontada pelo Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças do Clima (IPCC) como uma consequência das mudanças climáticas globais.
Em seu 6º relatório, lançado em agosto passado, o IPCC fez um novo alerta: se com 1,1°C de elevação da temperatura média global já está ruim, num futuro breve vai piorar: a meta de 1,5°C será alcançada já na próxima década, antes do previsto no relatório anterior.
Segundo Pedro Côrtes, de fato, todos os indicadores mostram que a estiagem deste ano é pior do que a verificada em 2013, ano que antecedeu a crise hídrica no sudeste citada pelo relatório da Organização Meteorológica Mundial. De acordo com o pesquisador da USP, os reservatórios desta região do país estão no nível mais baixo dos últimos 91 anos.
E não foi coisa de uma hora para outra. A seca vem sendo verificada há mais de uma década. Em Furnas (MG), as chuvas abaixo da média são realidade nos últimos 12 anos. No Cantareira (SP), na última década, somente em um ano houve superávit de chuvas em relação à média histórica. Em todos os outros anos as chuvas ficaram abaixo da média. No Sistema Alto Tietê (SP), em oito dos últimos dez anos a seca também prevaleceu.
“Tudo isso por conta do desmatamento na Amazônia, que reduziu a umidade na atmosfera, reduzindo as chuvas na região Sudeste”, explica o professor da USP.
Brasil sem preparo
Em todo o mundo, os desastres meteorológicos estão tirando a casa, os negócios e a vida das pessoas.
Segundo estimativas do governo canadense, somente as enchentes que atingiram o país em novembro custaram 7,4 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, os desastres climáticos registrados em 2021 tiveram um custo de mais de 100 bilhões de dólares, segundo as estimativas mais recentes.
O Brasil não contabiliza de forma sistemática as perdas decorrentes de eventos climáticos extremos. Assim como também não está preparado para lidar com eles, segundo o professor da USP.
Atualmente existem no país diversos sistemas de alerta gratuitos que poderiam ajudar governos nas ações de prevenção de danos. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que emite alertas quase diários, e o Instituto Nacional de Meteorologia são alguns deles.
É a partir da emissão de alertas que países como os EUA minimizam os danos causados pelos eventos extremos, deslocando antecipadamente pessoas e colocando em prática seus planos de emergência, por exemplo.
Por aqui, os governos também poderiam começar a se preparar antecipadamente, diz Pedro Côrtês.
“Se [os governos] sabem que um verão vai ser mais chuvoso que o normal, eles podem começar um trabalho mais intenso de limpeza de galerias de águas pluviais, de desobstrução de rios, por exemplo, para dar maior vazão ao volume de chuvas”, explica.
O problema, segundo o professor da USP, é que, muitas vezes, os gestores nem sabem que tais sistemas existem.
“Nós temos os instrumentos de previsão, mas eles são muito pouco utilizados. Muitas vezes o gestor público, seja na esfera federal, estadual ou municipal, nem conhece as ferramentas ou, mesmo conhecendo, tem dificuldade de usá-las adequadamente”, conclui.
Fonte: O Eco
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