A Cúpula de Líderes sobre o Clima, realizada no último mês, marcou o posicionamento estratégico dos Estados Unidos no processo de transição energética e o aumento do comprometimento de outras nações em relação às suas metas de controle dos níveis de emissões de gases de efeito estufa. Na opinião de especialistas ouvidos pela MegaWhat, o resultado do encontro pode beneficiar o setor energético brasileiro, devido à participação expressiva de fontes renováveis, mas o país deve evitar riscos como o trancamento tecnológico ou a estagnação em relação ao crescimento de energias limpas na matriz.
No encontro virtual, promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a maior potência econômica global firmou o compromisso de cortar as emissões de carbono entre 50% e 52% em relação aos níveis de 2005 até o fim desta década. O anúncio ocorre em paralelo ao ambicioso plano de Biden para a infraestrutura e a geração de empregos no país, de cerca de US$ 2 trilhões e que tem, entre os objetivos, combater a mudança climática.
Segundo a sócia fundadora da Catavento Consultoria, Clarissa Lins, os investimentos dos Estados Unidos devem levar a um ganho de escala e produtividade de novas tecnologias de fontes renováveis, como o hidrogênio, e de descarbonização, como o processo de captura e armazenamento de carbono (CCS). Considerando que a indústria de energia é global, o Brasil pode ser indiretamente beneficiado pelo barateamento dessas tecnologias em nível mundial.
“Podemos esperar uma alocação importante de recursos em novas tecnologias. Isso gera ganho de escala e melhoria da competitividade”, diz a especialista.
Ela também atenta para o fato de que grandes companhia globais, que possuem ativos no Brasil, estão tendo acesso a linhas de financiamento atreladas a métricas de sustentabilidade. Este é o caso, por exemplo, do grupo italiano Enel, que contratou este ano linha de crédito de 10 bilhões de euros com um conjunto de bancos, por meio da qual os juros são relacionados a metas de sustentabilidade.
Da mesma forma, o presidente da francesa Voltalia no Brasil, Robert Klein, vê o país bem posicionado no mercado global, do ponto de vista energético. “Com a eleição do Biden, a tendência das renováveis veio para ficar. E o Brasil está muito bem posicionado, em termos de recursos energéticos”, afirma o executivo.
“O Brasil tem uma oportunidade espetacular não só de contribuir nessa luta [de redução das emissões], que é de todos, como extrair benefícios disso” acrescenta Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.
Mercado de carbono
Em seu discurso na cúpula, o presidente Jair Bolsonaro destacou a importância do desenvolvimento de um mercado de descarbonização, tema que deverá ser discutido na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), marcada para novembro, em Glascow, na Escócia.
“Os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos. Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação”, disse Bolsonaro no evento.
Para Sales, do Acende Brasil, empreendimentos de geração solar, eólica e biomassa, por exemplo, podem se beneficiar de um mercado internacional de certificados de descarbonização.
Por outro lado, o executivo entende que a taxação de emissão de carbono no setor elétrico pode não ser eficaz. Isso porque, para sustentar a expansão de fontes renováveis intermitentes no país, será inevitável ampliar o parque termelétrico a gás natural. Nesse sentido, a taxação de carbono, ao invés de inibir o desenvolvimento de projetos do tipo, pode resultar apenas no aumento do custo da energia.
Alexandre Uhlig, diretor de Assuntos Socioambientais do Acende Brasil, lembra que o setor elétrico brasileiro responde por apenas 2% das emissões de gases de efeito estufa do país. “O desafio é manter a nossa matriz elétrica pouco emissora”, afirma o especialista.
O parque gerador de energia elétrica brasileiro é formado por mais de 80% de fontes renováveis. Considerando a matriz energética do país, a participação dessas fontes, de acordo com o último Balanço Energético Nacional (BEN), é da ordem de 46% – patamar elevado em relação à maioria dos outros países.
Neutralidade
Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, ao mesmo tempo em que o Brasil tem potencial em várias frentes para contribuir com a redução do aquecimento global, é importante não se acomodar na posição atual. E, considerando a meta anunciada por Bolsonaro na cúpula de alcançar a neutralidade de emissões em 2050, o país deve buscar atingi-la da maneira mais barata possível.
“O que o Brasil tem que fazer agora é estudar a forma mais barata e vantajosa de alcançar essa ambição”, diz Barral.
Ele lembra que, nesse sentido, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determinou a criação do programa Combustível do Futuro e estipulou diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio, entre outras frentes para desenvolver novas tecnologias de energias limpas.
Netflix
A opinião sobre a posição do setor energético brasileiro em relação ao combate às emissões, porém, não é unânime. O Instituto Escolhas, associação civil sem fins econômicos que tem como objetivo qualificar o debate sobre sustentabilidade, critica o fato de o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2030 prever que o setor de petróleo e gás receberá investimentos de R$ 2,3 trilhões, o equivalente a 84% do total previsto para a indústria de energia no país nesta década.
“Com o governo Biden, há uma situação nova. Isto traz para o Brasil o desafio que é entender como esse país, que estava fora do jogo, vai agora operar com recursos, com um plano de infraestrutura de trilhões de dólares, com um Congresso nos próximos dois anos na mão dos democratas. O Biden tem uma avenida de tempo para aprovar os seus planos e ratificar a adesão dos EUA ao Acordo do Clima, enquanto isso o Brasil está fazendo exatamente o inverso. Estamos indo na contramão”, critica Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas.
Segundo ele, o Brasil faz uma aposta equivocada ao escolher o gás natural como o combustível de transição, considerando que os contratos de exploração e produção têm prazos de 30 anos. “É como se você estivesse investindo em uma locadora de vídeo em tempos de Netflix. Estamos fazendo investimentos errados, na hora errada. Apostando no cavalo errado”, completa o especialista.
Fonte: Megawhat
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