O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que “é possível garantir” que todos os brasileiros estarão protegidos contra a covid-19 até o fim do ano.
“Temos doses suficientes para o segundo semestre”, afirmou Queiroga em uma coletiva da Organização Mundial da Saúde na sexta-feira (30/4), acrescentando que o governo receberá até o fim do ano mais de 500 milhões de doses.
O Brasil tem capacidade de vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia, almejou o ministro.
Para atingir esses objetivos, será preciso resolver primeiro um problema bem mais imediato: a falta de doses da CoronaVac, vacina fabricada pelo Butantan e que hoje é aplicada em três de cada quatro pessoas que são vacinadas no país.
Isso tem feito centenas de cidades do país paralisarem a vacinação por completo e deixado muita gente apreensiva e com medo por não saber o que acontece se elas não tomarem a segunda dose na data certa.
E a razão, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é uma combinação de erros do governo federal e das prefeituras e de contratempos na produção dos imunizantes.
“As cidades usaram a vacina da segunda dose para a primeira, e não está tendo reposição porque o Butantan está com problemas no fornecimento de matéria-prima”, diz a epidemiologista Carla Domingues, que esteve à frente do Programa Nacional de Imunização entre 2011 e 2019.
O tamanho do problema
A paralisação da vacinação por falta de doses não é uma novidade — já aconteceu antes, em muitos lugares, e continua a acontecer.
Mas, antes, era em geral interrompida a chamada de novos grupos, mas a aplicação da segunda dose continuava garantida. Agora começou a faltar vacina também para quem já estava no meio do caminho para ser imunizado.
Nesta semana, 30,8% das cidades do país tiveram esse problema, diz a Confederação de Municípios. Foram consultados 2.824 municípios — mais que a metade do total — , entre 26 e 29 de abril.
A pesquisa mostrou que o problema estava mais grave na região Sul, onde 47% das prefeituras disseram ter parado de vacinar a segunda dose.
Isso aconteceu em parte porque o governo federal mudou há pouco mais de um mês as recomendações para a vacinação.
Em 20 de março, o Ministério da Saúde anunciou, na nona entrega semanal de vacinas, que as prefeituras não precisavam guardar metade do que recebessem para a segunda dose da CoronaVac, como era recomendado.
A regra já valia para a vacina da AstraZeneca, que tem um prazo entre as doses maior, de três meses, em vez de 28 dias como a vacina do Butantan.
“Essa estratégia vai possibilitar a aceleração da vacinação dos grupos prioritários no Brasil e redução dos casos graves de covid-19”, disse o ministério na época.
De fato, isso contribuiu para que houvesse um aumento sensível nas doses aplicadas diariamente no país a partir de então.
O problema é que a nova regra valia apenas para aquele lote, de 5 milhões de doses, e isso não ficou muito claro na hora.
O governo só explicou melhor no anúncio da remessa seguinte: “A estratégia é revisada semanalmente em reuniões tripartites (governos federal, estaduais e municipais), observando as confirmações das entregas por parte do Butantan, de forma a garantir a disponibilidade da segunda dose no intervalo máximo recomendado”.
A situação ficou ainda mais confusa porque, justamente quando a pasta explicou que a regra podia variar, a regra (para usar todas as doses daquele lote imediatamente) foi mantida.
As instruções só mudaram de fato na outra leva de doses distribuídas — e vem variando desde então. Semana a semana, o Ministério da Saúde adota uma estratégia diferente, de aplicação imediata e reserva de doses, para adequar as remessas às necessidades daquele momento.
Mas teve muita prefeitura que não entendeu isso (ou decidiu fazer do seu próprio jeito, já que elas têm autonomia para isso) e passou a usar integralmente todas as CoronaVacs disponíveis em todos os lotes.
‘Estamos reforçando necessidade de reservar doses’
A maioria (49,3%) das quase 3 mil cidades ouvidas pelo CNM há duas semanas disse que não estava guardando doses.
Mesmo antes da mudança da regra pelo ministério, já tinha muita cidade fazendo isso. “Faltou planejamento e organização”, diz Carla Domingues.
Não reservar doses é arriscado nesse momento. O governo federal, quando anunciou a nova estratégia, disse que estava fazendo isso porque teria dali para a frente o fornecimento de vacinas ia estabilizar. Mas os problemas continuam.
Atrasos na chegada de matéria prima e problemas na linha de produção levaram a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a adiar a entrega de doses da vacina de Oxford e a reduzir o volume previsto inicialmente para abril.
A falta de insumos também levou à paralisação da fabricação e atrasos na entrega da CoronaVac, que responde neste momento pela maioria das doses aplicadas no país.
Isso tem feito com que o tamanho dos lotes distribuídos pelo Ministério varie bastante.
No final de março o total distribuído por semana ficou em torno de 4 a 5 milhões. No início de abril, bateu um recorde: 9,1 milhões.
Caiu bastante já na semana seguinte, para 4,4 milhões. Na outra, voltou a subir (6,3 milhões). Depois, caiu de novo, para 3,5 milhões.
“As cidades tinham recebido uma orientação do governo federal de que não tinha necessidade de fazer reserva de doses. Acabou se vacinando muito, e agora começou a faltar porque a demanda foi grande e teve atrasos de produção”, diz Denilson Magalhães, consultor da área técnica de saúde do CNM.
A confederação diz que está conversando com as prefeituras para que elas se atentem e respeitem as recomendações que o ministério divulga toda semana com cada lote.
“Também estamos reforçando com as cidades a necessidade de guardar doses para garantir a vacinação de toda a população”, diz Magalhães.
Equívocos em série
Na segunda-feira, o ministro Queiroga reconheceu durante uma audiência pública no Senado que há “dificuldade” com a entrega da segunda dose da CoronaVac e citou atrasos no fornecimento pelo Butantan.
Dimas Covas, diretor do Butantan, retrucou afirmando em entrevista à rádio CBN que o atraso foi pequeno, afetando cerca de 3 milhões de doses.
Ele também disse que o calendário tinha sido acertado com antecedência com o ministério e que tinha avisado sobre a possibilidade de haver “qualquer interveniência”.
Covas apontou então que a causa do problema está na mudança de estratégia do governo federal.
“Alguns Estados fizeram a reserva para a segunda dose, como é o caso de São Paulo, portanto aqui não tem faltado a segunda dose no prazo determinado. Agora, outros não fizeram essa reserva, inclusive por conta da orientação do próprio ministério”, afirmou o diretor do Butantan.
“O maior equívoco de todos foi a orientação dada pelo governo federal”, diz Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Kfouri diz que, com os problemas que vinham acontecendo, era melhor ter sido mais conservador e trabalhado com mais folga entre as remessas.
“Já dava pra prever que isso ia acontecer com aquela conta do lápis feita pelo ministério, confiando na capacidade de gerenciamento de doses por Estados e municípios, que não é tão fina assim”, diz ele.
Mas o cronograma prometido não se cumpriu. E a isso se somou um erro de comunicação do ministério, que fez muito prefeito achar que podia usar todas as vacinas que chegassem do fim de março em diante.
“A comunicação e a estratégia não foram bem definidas, e o resultado está aí. As cidades deviam ter guardado vacina para a segunda dose, e muitas não fizeram isso. Mas a orientação nacional foi essa, e isso deixou muita gente na mão”, diz Kfouri.
O CNM fez uma reunião com o Ministério da Saúde na última terça-feira (28/4) para resolver a questão.
Ficou combinado que o governo federal vai enviar diariamente vacinas para os municípios que enfrentam problemas, de forma emergencial, até a situação normalizar.
Por sua vez, o Butantan antecipou a entrega ao governo federal de 420 mil doses da CoronaVac.
O Ministério da Saúde também anunciou a distribuição imediata de 104,8 mil doses da CoronaVac aos Estados.
Denilson Magalhães diz, no entanto, que esse, como esse lote emergencial do ministério é destinado inteiramente para a aplicação da primeira dose, não vai ajudar a resolver a falta de segunda dose.
“Se o Ministério da Saúde não mandar já na segunda-feira mais doses para as cidades, esse problema vai se agravar ainda mais na próxima semana”, avalia o consultor do CNM.
Fonte: BBC News Brasil
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