Estudioso de ditaduras latinas e diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C., Peter Kornbluh tem acompanhado com atenção os movimentos recentes na política nacional do Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou, na segunda-feira (29/3), a troca de comando de seis ministérios. Embora uma reforma ministerial fosse aguardada para acomodar os interesses políticos dos líderes do chamado centrão, base de sustentação de Bolsonaro no Congresso, a saída do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e a troca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica surpreenderam.
Em sua carta de demissão, Azevedo e Silva afirmou que “neste período (à frente da pasta), preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, o que provocou questionamentos sobre uma possível tentativa de politização do Exército Brasileiro.
Ao longo de março, Bolsonaro repetiu algumas vezes o termo “meu exército” para se referir às Forças Armadas do país. “O meu Exército não vai para a rua para cumprir decreto de governadores. Não vai. Se o povo começar a sair de casa, entrar na desobediência civil, não adianta pedir o Exército, porque meu Exército não vai. Nem por ordem do papa. Não vai”, afirmou Bolsonaro, em 19/03, sobre a possibilidade de que os poderes estaduais impusessem lockdown para tentar conter a pandemia de covid-19, que já matou quase 318 mil.
Para Peter Kornbluh, o rearranjo de Bolsonaro nas Forças Armadas e nos demais ministérios é uma tentativa de sobreviver ao que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chamou, na semana passada, de “remédios conhecidos e amargos, alguns fatais”, que poderiam ser adotados pelo Congresso caso a condução da pandemia não fosse alterada.
Lira se referia a um processo de impeachment. “Bolsonaro está lutando contra qualquer esforço político para responsabilizá-lo pela negligência criminosa que já levou a dezenas de milhares de mortes desnecessárias e muitas milhares mais por vir”, avalia Kornbluh.
Indicativo de que Bolsonaro procura se defender de ataques externos são os nomes que pinçou para os postos. Quase todos já estavam em seu círculo mais próximo e são considerados de estrita confiança da família. O sucessor de Azevedo e Silva na pasta é o general Walter Braga Netto, que até então chefiava a Casa Civil. Em seu lugar, entrou o General Luiz Eduardo Ramos, outro militar aliado de longa data de Bolsonaro, que era o secretário de governo da Presidência, responsável pela articulação do Executivo com o Congresso.
Na vaga de Ramos entra a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), com a incumbência de negociar com os colegas do centrão, da qual também faz parte. Além disso, para o lugar do chanceler Ernesto Araújo, cuja demissão era demanda explícita do Congresso, Bolsonaro também encontrou uma solução dentro do Palácio do Planalto: o embaixador Carlos Alberto França, que como cerimonialista da presidência conquistou a simpatia do mandatário.
“Obviamente, Bolsonaro está se fortalecendo contra o crescente – e justificável – descontentamento nacional com sua liderança”, afirmou Kornbluh.
Para o especialista, é possível que além dos alertas domésticos, Bolsonaro esteja atento ao que tem acontecido com seu aliado internacional prioritário, o ex-presidente Donald Trump.
“Os ex-consultores da força-tarefa contra a covid-19 de Trump agora estão dizendo que suas ações negligentes, semelhantes às de Bolsonaro, foram responsáveis por mais de 400 mil vidas perdidas nos Estados Unidos”, diz Kornbluh, em referência a uma entrevista à CNN dada, nesta segunda 29/3, por Deborah Birx, coordenadora da resposta contra a covid-19 na Casa Branca.
Ela afirmou que o presidente não levava a sério o problema e estimou o número de vidas que poderiam ter sido salvas se as medidas adequadas fossem tomadas.
Tanto Bolsonaro quanto Trump agiram contra medidas de distanciamento social, se recusaram ao longo de meses a usar máscara, promoveram tratamentos sem eficácia cientificamente comprovada, como a hidroxicloroquina, e chamaram a doença de “gripezinha”.
Bolsonaro e ‘a paixão pela era da ditadura militar’
Com a ressalva de que não tem conhecimento suficiente sobre o Exército brasileiro para afirmar que poderia haver alguma tentativa de golpe agora, Peter Kornbluh vê com preocupação os movimentos em relação às Forças Armadas e o histórico de opiniões do presidente sobre o assunto.
“Bolsonaro nunca escondeu sua paixão pela era da ditadura militar e suas próprias tendências autocráticas”, afirmou.
Durante a campanha presidencial, em 2018, Bolsonaro afirmou que seu livro de cabeceira era “Verdade Sufocada”, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos militares acusados de tortura e assassinatos ao longo da ditadura. Em julho de 2016, em uma entrevista à rádio Jovem Pan, ele afirmou: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”.
Autor de livros referência na área como O Arquivo Pinochet: Um Dossiê revelado sobre atrocidades e responsabilidades, sobre a ditadura militar chilena, e Por baixo dos panos em Cuba: A história secreta das negociações entre Havana e Washington, sobre o regime socialista em Cuba e sua relação com os EUA, Kornbluh se mostra cético sobre as possibilidades de sucesso de Bolsonaro em seu movimento político, qualquer que sejam suas intenções por trás dele. Isso porque o número de vítimas da covid-19 apenas aumenta e deve seguir pressionando os políticos e a sociedade a demandarem respostas do Executivo. Nesta terça, 30/3, o país atingiu um novo recorde: 3.780 mortes em 24 horas.
“Tanto o povo brasileiro quanto os militares, como instituição, bem sabem que um regime liderado por Bolsonaro não pode protegê-los do inimigo invisível que assola o Brasil: o coronavírus”.
Fonte: BBC News Brasil
Comentários