Trabalho infantil, fruto da pobreza e precarização do trabalho, dificulta a geração de mão de obra qualificada e distancia o Brasil do desenvolvimento
O trabalho infantil interfere no processo educacional e na geração de mão de obra qualificada, distanciando cada vez mais o Brasil do desenvolvimento sustentável. A avaliação é de especialistas da USP em Ribeirão Preto preocupadas com a inserção precoce de crianças no mercado de trabalho, situação que pode ser agravada com a pandemia de covid-19, colocando em risco os avanços já obtidos pelo País no combate ao trabalho infantil.
Segundo Maria Hemília Fonseca, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, quando crianças e adolescentes começam a trabalhar muito cedo fica reduzida a “formação de mão de obra, de pessoas que estejam preparadas para o futuro”. E a dificuldade de formar cidadãos com condições mínimas de sobrevivência no futuro, acrescenta a professora, interfere no desenvolvimento do País, considerando o avanço das tecnologias, cada vez mais empregadas nos processos produtivos, que requer um conhecimento inacessível a muitas crianças.
Como o Brasil vinha fazendo avanços na erradicação do trabalho infantil ao longo dos últimos 30 anos, a professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Vera Navarro, se diz preocupada com possíveis retrocessos na área gerados pela pandemia. A professora lembra que, como consequência direta da pandemia, o País vive crise social e econômica, com aumento da pobreza, influenciando o número de crianças em situação de trabalho infantil. Preocupação com fundamento, considerando que a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), de 2019, já mostrava 1,758 milhão de crianças e adolescentes, entre 5 a 17 anos, em situação de trabalho infantil.
E os números, recentemente divulgados pelo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), projetam um quadro triste para 2022. Estimam que mais de 8,9 milhões de crianças e adolescentes, em todo o mundo, correm o risco de ingressar no trabalho infantil como consequência dos impactos da pandemia. Situação essa agravada pela pobreza, assinala a professora Maria Hemília, adiantando que as organizações nacionais e internacionais que acompanham o tema são claras ao afirmar que o trabalho infantil tem como causa e efeito a pobreza.
Causas do trabalho infantil
Considerando que o ingresso precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho está vinculado à pobreza, é necessário considerar que, no Brasil, a reforma trabalhista, a reforma previdenciária e, agora, a reforma administrativa, que está em debate com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020), “estão umbilicalmente atreladas à expansão do trabalho infantil”, de acordo com Vera, lembrando que o País enfrenta um quadro de precarização do trabalho e aumento do desemprego.
As mudanças ocorridas a partir da reestruturação produtiva que se aprofundou nas últimas décadas, adianta a professora, também estão associadas à expansão do número de crianças trabalhando. Essas mudanças, associadas a precarização do trabalho e ao desemprego, alteraram o trabalho produtivo das empresas e as relações de trabalho, com a adoção de novas tecnologias, provocando a “intensificação da atividade laboral, aumento da jornada de trabalho, redução de salários, precarização e desmonte do mercado formal de trabalho”.
Por essa razão, o trabalho infantil apenas será efetivamente combatido com políticas públicas que visem, segundo a professora, a garantir “direitos básicos que, pelo menos, minimizem a exploração dos que compõem a classe que vive do trabalho”. Nesse sentido, as ações devem ter por objetivo “gerar empregos, melhorar a distribuição de renda, elevar os níveis salariais e investir nas áreas de educação, habitação e saúde, prioritariamente”. A erradicação do trabalho infantil deve estar associada a ações que objetivem “gerar empregos, melhorar a distribuição de renda, elevar os níveis salariais e investir nas áreas de educação, habitação e saúde, prioritariamente”, complementa a professora.
Trabalho infantil no mundo
Durante as últimas duas décadas, quase 100 milhões de crianças foram retiradas do trabalho infantil em todo o mundo. Entre 2000 e 2016, o número total de crianças em situação de trabalho infantil foi reduzindo de 246 milhões para 152 milhões, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mas, recentemente, esse progresso estagnou e a tendência é de que o trabalho infantil volte a crescer em função da pandemia. Entre 2016 e 2020, além das 152 milhões de crianças que já estavam em situação de trabalho infantil, houve um aumento de 8,4 milhões, de acordo com o relatório do Unicef e da OIT, chegando a 160 milhões em todo o mundo, a maior taxa em 20 anos.
A exploração do trabalho de crianças e adolescentes acaba garantindo a manutenção e sobrevivência de famílias em situação de vulnerabilidade, como consequência da pobreza em que vivem, ressalta Maria Hemília, levando a círculos viciosos de pobreza e trabalho infantil.
Fonte: Jornal da USP
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