Paulo R. Haddad*
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A nossa sociedade precisa se conscientizar de que o desenvolvimento econômico se processa através de uma sequência de desequilíbrios e que o esforço maior das políticas econômicas é uma busca permanente para estabilizar uma economia instável.
Durante uma crise, em matéria de política econômica, interessa o que as autoridades fazem, não o que falam. Pode ocorrer o que se denomina, em Psicologia Social, de dissonância cognitiva, quando há uma discrepância entre crenças e comportamentos e se age diferente do que se propõe. Uma das formas de se conviver com a sensação de desconforto psicológico resultante dessa discrepância é reduzir ou racionalizar a importância da crença, alegando a superveniência de novos fatos, imprevisíveis e inesperados no processo decisório.
Há inúmeros casos para ilustrar essa dissonância na história das políticas econômicas no Brasil. Por exemplo: em 1980, quando foi criada a Secretaria Especial das Empresas Estatais, a Fundação Getúlio Vargas fez um levantamento de todos os órgãos da administração indireta (empresas, autarquias, fundações) do Governo Federal. Conclusão: 56 % das 580 entidades foram criadas depois de 1964, num regime onde o discurso oficial era do liberalismo econômico com Estado mínimo.
Para equacionar os problemas socioeconômicos da pandemia do coronavírus, as atuais autoridades econômicas, que iniciaram a sua gestão com um discurso do liberalismo do estilo Von Hayek, vão, pouco a pouco e de maneira pragmática, construindo uma política econômica do estilo de Keynes. De um lado, o discurso da austeridade fiscal expansionista, do outro lado, a efetiva expansão acelerada e coordenada dos gastos públicos para as transferências compensatórias de renda, para a sobrevivência financeira das empresas e para o apoio às finanças públicas de Estados e Municípios.
Ainda bem. Se essas decisões não fossem tomadas em tempo oportuno, constituindo uma política anticíclica com expansão do déficit público (seis a sete vezes maior do que programado para 2020) e da dívida pública (em torno de 90 por cento do PIB), a atual recessão econômica poderia se transformar, ainda no segundo semestre, em profunda depressão.
Esse tipo de política econômica aconteceu com o new deal do Presidente Roosevelt, que utilizava políticas sociais compensatórias e um ambicioso programa de obras públicas para retirar a economia norte-americana das entranhas da crise de 1929. Aconteceu também no Brasil, em 1930, quando houve um endividamento externo para a defesa dos níveis de renda e de emprego na economia cafeeira, ainda que o mercado final do excedente do produto fosse o mar ou o fogo.
Essa política fiscal expansionista e de financiamentos subsidiados poderá persistir por mais um ou dois trimestres se não ocorrer um choque de demanda agregada para reduzir as taxas de desemprego (provavelmente em torno de 15 por cento) e para absorver a capacidade ociosa do sistema produtivo (provavelmente em torno de 30 por cento). Um choque de demanda para revitalizar e dinamizar as cadeias de valor da economia exigirá de novo a coordenação e a intervenção do Estado, à sombra de Keynes. A nossa sociedade precisa se conscientizar de que o desenvolvimento econômico se processa através de uma sequência de desequilíbrios e que o esforço maior das políticas econômicas é uma busca permanente para estabilizar uma economia instável.
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