Sergio Andrade*
Um Green Deal mostra-se muito vantajoso para a retomada econômica em bases mais sustentáveis. Mas, para amadurecer essa nova agenda, são essenciais novos espaços de governança local. Arranjos institucionais como o Fórum de Governadores da Amazônia Legal, o Fórum das Cidades da Amazônia e a Coalizão Clima, Florestas e Agricultura têm potencial para construir um novo protagonismo e forjar lideranças locais comprometidas
O impacto da pandemia da Covid-19 em toda a Amazônia tem sido severo. A emergência de saúde retratada pela imprensa acompanha o desafio econômico, cujas propostas de solução não devem ser adiadas. Porém, o desafio para uma recuperação sustentável esbarra em problemas estruturais na Amazônia como ausência de visão estratégica clara para a região, capacidades institucionais frágeis e carências de investimentos e infraestrutura.
A realização das eleições locais nos motiva a pensar na capacidade de resposta à crise e nos planos de retomada. O desafio é identificar quais são as oportunidades para um desenvolvimento local inclusivo, mas também quais novos vetores econômicos e instrumentos, principalmente, financeiros e de governança, estão ao alcance das novas lideranças dispostas a abraçar a missão.
Com o mundo balançado pela mudança de padrões produtivos da 4ª Revolução Industrial, é essencial colocar em prática alternativas à estrutura econômica vigente em boa parte da região Amazônica, onde predominam na dinâmica local as atividades extrativas e agropecuárias com baixo valor agregado. Historicamente, seus maiores vetores de desenvolvimento consistiram de grandes projetos de energia e mineração e, mais recentemente, incluíram ainda o agronegócio.
Por outro lado, vantagens comparativas naturais e o conhecimento sobre a região oferecem novos potenciais. Na agenda de retomada mundial despontam oportunidades preciosas da “economia do futuro”, uma economia verde, com baixa emissão de carbono. O chamado Green New Deal baseia-se, originalmente, na resolução apresentada por congressistas democratas nos Estados Unidos visando objetivos para a infraestrutura nacional, que atendam às necessidades da transição econômica para um modelo de desenvolvimento mais sustentável, com propostas semelhantes por parte de países da União Europeia.
No caso do Brasil, práticas de governos subnacionais ou mesmo de empresas e setores inteiros podem mimetizar o que vem ocorrendo em nível local nos Estados Unidos, em que movimentos em favor de uma economia de baixo carbono traduzem o senso de oportunidade para geração de novos postos de trabalho e receitas advindas da transformação da matriz energética e das práticas de produção, consumo e tributação.
Na pauta, estão medidas como a restauração de ecossistemas, a modernização de redes elétricas, a descarbonização dos setores de energia, transportes e indústria com a adoção de tecnologias limpas e a prática de uma agropecuária de baixo carbono. Do ponto de vista do investimento, há combinação entre mercado, finanças sustentáveis e investimentos públicos.
Em meio aos debates para uma possível Reforma Tributária, ainda em 2020, o tema da economia verde também ganha espaço. A sociedade civil, por exemplo, se movimenta para apresentar propostas mais robustas que deem conta de simplificar regras, reduzir carga fiscal, eliminar subsídios numa velocidade controlada e favorecer o desenvolvimento de uma economia verde de vanguarda. Um conjunto de nove propostas foi apresentado a congressistas por um grupo de organizações, no âmbito da campanha “Está Faltando Verde na Reforma Tributária”.
As referências a um Green Deal e a outros acordos político-econômicos semelhantes compreendem mitigação de riscos climáticos, oportunidades de mercado, novos investimentos e pesquisas, além de bem-estar para as pessoas, agora e no futuro. Olhar os diferenciais competitivos da região pela lente da retomada verde evidencia alguns ganhos potenciais dessa opção estratégica. Cadeias de valor extrativas e alimentícias mais sustentáveis, por exemplo, podem oferecer respostas para problemas socioambientais graves e trazer ganhos econômicos.
A demanda por alimentos no mundo crescerá significativamente nas próximas décadas, puxada pelas mudanças nos padrões de urbanização e no comportamento do consumo da população mundial. Por outro lado, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 90% das terras para a expansão agrícola estão na América Latina e África-Subsaariana. Áreas de fronteira agrícola na Amazônia podem se beneficiar desse movimento.
Entretanto, a reconhecida competitividade brasileira na agricultura precisa abraçar modelos de produção que atendam a padrões internacionais consistentemente mais sustentáveis, com aumento da produtividade e adoção de práticas de agricultura de baixo carbono. Novas cadeias de valor globais também abrem espaço para produtos certificados e com garantia de origem, inclusive para a importante produção madeireira, atividades mais rentáveis e de maior valor agregado.
Um Green Deal mostra-se muito vantajoso não só para as pessoas da Amazônia, mas também para a posição do Brasil no mundo e o futuro de acordos comerciais. Para amadurecer essa nova agenda, são essenciais novos espaços de governança local. Arranjos institucionais como o Fórum de Governadores da Amazônia Legal, o Fórum das Cidades da Amazônia e a Coalizão Clima, Florestas e Agricultura têm potencial para construir um novo protagonismo e forjar lideranças locais comprometidas. São espaços de diálogo e mediação para a síntese de narrativas sobre a necessidade de novas dinâmicas produtivas, sociais e culturais que irão germinar as ações concretas dessa nova agenda.
Construir os fundamentos de um Green Deal requer visão de longo prazo, projetando a inserção econômica da região no contexto internacional. Também pede uma visão de curto e médio prazos, relacionada às medidas necessárias para assegurar bem-estar às famílias em condições de vulnerabilidade. Enquanto discutimos vetores de desenvolvimento econômico, os sistemas de proteção social também precisarão ser reforçados, em especial os mecanismos de transferência de renda e o acesso a serviços básicos. Não podemos deixar ninguém para trás!
*Sergio Andrade é diretor-executivo da Agenda Pública, organização especialista no aprimoramento de serviços públicos. É integrante do Programa Territórios Sustentáveis, Estratégia ODS, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e Fórum Amazônia Sustentável. Recebeu prêmios da Folha de S.Paulo e Schwab Foundation/WEF de empreendedorismo social.
Fonte: Página 22
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