Se vivesse hoje, o naturalista e político José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) provavelmente ficaria abalado com as enormes e constantes queimadas na Amazônia e no Pantanal. Dois séculos antes das imagens da vegetação em chamas e animais carbonizados que correm o mundo, o Patriarca da Independência já manifestava indignação contra a degradação ambiental inaugurada no Brasil Colônia, baseada no extrativismo predatório. “Destruir matos virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é extravagância insofrível, crime horrendo e grande insulto feito à natureza”, escreveu em 1821, um ano antes de participar do movimento da Independência ao lado de dom Pedro I.
Embora não possa ser considerado um ambientalista no sentido moderno, José Bonifácio contribuiu para a introdução de temas ecológicos no país, embalados por uma preocupação ambiental que permanece atual. “Ele fazia parte de um grupo de intelectuais que, na virada do século XVIII para o XIX, passou a criticar a exploração descuidada dos recursos naturais”, explica o historiador José Augusto Pádua, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do tema. José Bonifácio estudou leis e filosofia natural na Universidade de Coimbra.
“Ele teve contato direto com o processo de construção do conhecimento ilustrado sobre o que chamavam de ‘sistema da natureza’. De volta ao Brasil, Bonifácio amadureceu a ideia de que o progresso econômico não poderia depender da destruição das florestas”, conta Pádua. “Na época, começou-se a teorizar que a perda das florestas acabaria por prejudicar a produção rural, porque diminuiria as chuvas, degradaria os solos e, no limite, provocaria desertificação”, ressalva o pesquisador. As preocupações que atravessavam José Bonifácio, portanto, referiam-se ao uso mais eficaz e racional da natureza para garantir o melhoramento da economia – uma ideia hoje associada ao conceito de desenvolvimento sustentável.
Os movimentos ativistas de preservação do meio ambiente surgiram na segunda metade do século XX. Mesmo assim, Bonifácio desempenhou um papel decisivo nos primórdios da consciência ambiental no Brasil, argumenta Pádua. “Seus escritos pautaram debates entre políticos, juristas e homens de ciência da época.” Outros intelectuais deram continuidade à crítica ambiental. Abolicionistas como Joaquim Nabuco (1849-1910) e André Rebouças (1838-1898) defenderam que, enquanto vigorasse a escravidão, não seria possível estabelecer uma relação saudável entre indivíduos e o uso da terra no Brasil.
Algumas poucas tentativas de influenciar governos deram certo, como a restauração da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, entre 1861 e 1874. “Um grupo de intelectuais convenceu o governo de que o desflorestamento estava provocando secas na cidade”, diz Pádua. Boa parte da região havia sido desmatada para a produção de café e carvão vegetal. O reflorestamento exigiu o plantio de 100 mil mudas de árvores de espécies nativas.
Foi no início do século XX que ganhou força a crença de que somente por meio do Estado se poderia garantir a conservação da natureza, como explica a historiadora Ingrid Fonseca Casazza, em artigo publicado em julho na revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos. As mudanças mais significativas ocorreram na década de 1930, no início do primeiro governo de Getúlio Vargas (1882-1954), quando cientistas envolvidos com questões ambientais assumiram cargos na administração pública. “Eles atuaram na implementação de instrumentos legais para o manejo racional dos recursos naturais”, escreve Casazza.
Ela destaca a atuação do botânico Paulo Campos Porto (1889-1968) como diretor do Instituto de Biologia Vegetal do Ministério da Agricultura, extinto em 1938. Para Casazza, Porto ajudou a consolidar uma política de gestão da natureza naquele período. Como secretário de Agricultura da Bahia, nos anos 1940, o botânico criou o Parque Monumento Nacional de Monte Pascoal, na região de Porto Seguro, com a missão de preservar fauna e flora locais.
A agenda ambiental saiu do nicho dos especialistas e ganhou mais visibilidade na sociedade na década de 1960. “Foi o momento em que o debate intelectual sobre conservação começou a se aproximar do movimento da contracultura”, observa a historiadora e ambientalista Samyra Crespo, pesquisadora sênior do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). “A discussão deixou de ser focada na promoção do uso racional de recursos naturais, abrindo espaço para reflexões sobre como salvar a humanidade e o planeta”, explica.
Um ponto de virada do ambientalismo daquele período foi o livro Primavera silenciosa, publicado em 1962 pela bióloga norte-americana Rachel Carson (1907-1964). “Trata-se de um clássico da literatura ambiental. Carson investigou e denunciou o uso de pesticidas e seu efeito sobre o ambiente e as pessoas”, comenta Crespo. Jornais republicaram trechos do livro; houve repercussão no Congresso e o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy (1917-1963), chegou a instituir uma comissão para estudar o assunto (ver Pesquisa FAPESP nº 202).
No Brasil, a obra alcançou o ambiente acadêmico. Paulo Nogueira-Neto (1922-2019), professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), pertenceu ao grupo de ambientalistas influenciados por Carson, lembra o sociólogo Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente da USP. “Nogueira-Neto foi secretário especial do Meio Ambiente entre 1973 e 1985, destacando-se como um dos principais formuladores da legislação ambiental no país.” A partir daí, diz Jacobi, a regulação da produção e do descarte de produtos químicos ficou mais rigorosa, com o objetivo de evitar contaminações e prevenir desastres.
Assim como em outros países, o ambientalismo no Brasil ganhou novo capítulo com a Conferência de Estocolmo, organizada em 1972 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Foi a primeira grande reunião de chefes de Estado para discutir a questão ambiental. Ao mesmo tempo, grande parte do campo político não levava muito a sério o ativismo ecológico.
Prevalecia no Brasil a lógica desenvolvimentista da ditadura militar (1964-1985), que envolvia a construção de hidrelétricas e estradas em territórios indígenas. “A utopia era tornar o país altamente industrializado”, afirma Jacobi. A entrada dos ambientalistas nesse campo de disputa política se deu pelo chamado ecodesenvolvimento, que buscava conciliar desenvolvimento econômico com preservação. O conceito foi desenvolvido pelo economista Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris.
Polonês, Sachs veio para o Brasil aos 14 anos de idade. Formou-se em economia na Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, e manteve relação estreita com o país, onde lecionou em universidades nos anos 1980. “O ambientalismo passou a considerar a possibilidade de modelos de desenvolvimento que levassem em consideração a vocação econômica de biomas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado, e as diferenças culturais entre povos”, diz Crespo.
Paralelamente, distante dos centros urbanos e das universidades, ganhava força um ambientalismo mais popular, que mobilizava pescadores e seringueiros. “Eram trabalhadores que lutavam pela conservação do meio ambiente para defender melhores condições de vida”, explica Pádua. Um dos principais representantes desse movimento foi o sindicalista acreano Chico Mendes (1944-1988), que uniu seringueiros que dependiam da preservação da floresta amazônica para sobreviver. Mendes foi assassinado em razão de seu ativismo.
Em 1975, o termo “aquecimento global” apareceu pela primeira vez em artigo publicado na revista Science pelo oceanógrafo norte-americano Wallace Broecker (1931-2019). Poucos anos depois, em 1979, a agência espacial norte-americana (Nasa) introduziu o conceito de “mudança climática” em estudo sobre os efeitos do dióxido de carbono (CO2) no clima do planeta. O debate ambiental ganhou dimensão global e novos atores: organizações não governamentais (ONGs) como o Greenpeace e a Wild Foundation são criadas nessa época.
No Brasil, os ambientalistas começaram primeiramente a se organizar em grupos locais para ampliar o diálogo com setores empresariais e políticos. Um exemplo é a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, uma das primeiras comunidades ecológicas do país, criada em 1971. Um de seus fundadores foi o agrônomo José Lutzenberger (1926-2002), que contribuiu na formulação de leis para o controle do uso de agroquímicos no Rio Grande do Sul – o que teve reflexos na Lei Brasileira de Agrotóxicos, de 1989. Ainda na década de 1970, a preocupação com questões de segurança e o impacto ambiental da energia nuclear resultaram na mobilização de ambientalistas e cientistas. ONGs nacionais, como a SOS Mata Atlântica, começam a surgir nos anos 1980.
A consolidação do interesse internacional pelos problemas socioambientais ligados às alterações do clima só ocorreu no início dos anos 1990. O marco desse processo foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. Na ocasião, foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) havia sido concebido pela ONU quatro anos antes para sistematizar estudos científicos sobre as mudanças climáticas. “Isso impulsionou a profissionalização do ambientalismo. ONGs passaram a realizar pesquisas, produzir relatórios técnicos e colaborar com universidades e órgãos governamentais em ações de monitoramento”, relata Jacobi.
A aproximação entre ambientalistas e o poder público também foi fortalecida após a redemocratização, ressalta Crespo, do MCTI. A descentralização dos poderes político e administrativo gerou uma demanda por quadros técnicos para assumir secretarias estaduais e municipais de Meio Ambiente, o que contribuiu para que muitos ambientalistas se tornassem gestores públicos.
Hoje, o ambientalismo brasileiro enfrenta desafios “fora do comum”, avalia Pádua, referindo-se a um “descontrole regulatório inédito”. Ao mesmo tempo, ele vê uma oportunidade para o fortalecimento do movimento. “Em resposta aos ataques que o meio ambiente sofre, destaca-se a defesa de instituições como o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], que faz o monitoramento do desmatamento na Amazônia, e a mobilização mais atuante de organizações ambientais para reforçar a consciência ambiental no país.”
Fonte: Revista FAPESP
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