Paulo R. Haddad
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Antes do início da pandemia do coronavírus havia, no Brasil, cerca de 14 milhões de cidadãos na miséria. Esse número equivale a 6,5 por cento dos brasileiros e é maior do que a população de países como Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal.
A partir da crise econômica de 2014, o total de miseráveis vem aumentando. Segundo o IBGE, a pequena melhora no mercado de trabalho, que ocorreu no período de 2014 a 2018, não chegou a esses brasileiros. Em quatro anos, mais de 4,5 milhões de cidadãos passaram a viver na miséria. Fica então a pergunta: o que acontecerá com as condições de vida desse grupo no período pós-pandemia? Vejamos duas experiências históricas de grave crise econômica para espelhar uma resposta a essa indagação, ainda que por introspecção e observação casual.
Consequências da paz
Em 1919, John Maynard Keynes, numa crítica ao Tratado de Versailles, analisou as consequências da paz após a I Grande Guerra Mundial. Destacou que a população europeia estava acostumada a um padrão de vida relativamente alto e que o perigo que a confrontava era a rápida degradação desse padrão, a tal ponto que isso significava fome em alguns países, o que já atingia, à época, a população da Rússia e, de certa forma, a população da Áustria. Alertou que os homens não morrem sempre em silêncio, uma vez que a fome traz uma certa letargia e um desespero desamparado, levando outros temperamentos a uma instabilidade nervosa de histeria enlouquecedora.
Crise econômica de 1929
John Kenneth Galbraith ao analisar a crise econômica de 1929, nos EE.UU., mostrou que o infortúnio mais desconcertante era que muitas pessoas estavam famintas em 1930, 1931 e 1932, quando então começou a recuperação da economia norte-americana, com o new deal de Roosevelt. Outras pessoas padeciam pelo medo de que poderiam passar fome. Ainda outras, sofriam a agonia do declínio da honra e da respeitabilidade com a perda da renda, o que as conduzia para a pobreza. E outras temiam que seriam as próximas. Enquanto isso, dizia Galbraith, todas padeciam da total falta de esperança, pois nada poderia ser feito. E, de fato, de acordo com as ideias que prevaleciam na política econômica fiscal e monetária, nada poderia ou deveria ser feito.
Atoleiro recessivo
A minha percepção, baseada na enorme dificuldade que três presidentes, de 2014 a 2020, encontraram para tirar o Brasil do atoleiro recessivo, é a de que, no longo período pós-pandemia que irá anteceder a retomada do crescimento econômico, o número de brasileiros que poderão migrar da pobreza para a miséria tende a aumentar sensivelmente. A renda nacional poderá cair até 10 por cento neste ano, a recuperação do mercado de trabalho deverá ser lenta e o campo de novas oportunidades para os jovens tenderá a encolher ainda mais.
Prioridades ideológicas
Devemos nos preparar para a possibilidade do reaparecimento, em grande escala, do drama social da fome e da subnutrição em muitos lares brasileiros, caso o Governo não implemente ações programáticas compensatórias de elevada intensidade para contrarrestar essa tendência. Como as prioridades ideológicas do Governo Federal estão centradas na austeridade fiscal expansionista, os problemas da fome e da subnutrição necessitarão de ações complementares da economia solidária, constituída por diferentes redes da sociedade civil atuantes neste sentido, desde o início da Covid-19.
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