“Como não há no orçamento nem um Real de despesas que não esteja apoiado ou monitorado por alguma organização da sociedade civil ou por algum grupo estruturado de interesse regional ou setorial, é extremamente difícil que essa grande transformação orçamentária seja realizada por governos populistas e conformistas, cuja base política esteja alicerçada em grupos de interesses nem sempre orientados para o bem comum.”
Paulo Roberto Haddad
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Preliminarmente, apresento três argumentos sobre o orçamento do Governo Federal. Primeiro: a carga tributária é elevada, mal distribuída e de alto custo administrativo; a reforma tributária não deveria aumentá-la ainda mais. Segundo: o Governo deve se reorganizar para viver com os recursos que tem; não devem ser criadas artimanhas administrativas para ultrapassar o teto constitucional dos gastos. Terceiro: o Governo deve avaliar, recorrentemente, a sua estrutura de gastos e adequá-la às prioridades atualizadas para equacionar os problemas socioeconômicos e socioambientais críticos da sociedade brasileira.
A pandemia escancarou a dramática realidade do imenso número de pobres e miseráveis na população brasileira. Ao mesmo tempo, mostrou a necessidade de serem reforçados institucionalmente os sistemas de saúde pública e de ciência e tecnologia. O recente desmonte das políticas públicas ambientais revelou, para a opinião pública nacional e internacional, o profundo descaso das atuais autoridades com o processo de degradação dos nossos ecossistemas. Da mesma forma, são escassos os recursos financeiros e institucionais para a segurança pública nas grandes metrópoles e nas fronteiras do País.
O que fazer, então, para reestruturar as despesas públicas e realocar mais recursos para a saúde pública, a ciência e a tecnologia, o meio ambiente, a erradicação da pobreza e da miséria social e a segurança pública. Uma alternativa para promover essa reestruturação é a elaboração do orçamento de base zero.
Diferentemente dos orçamentos tradicionais que são de natureza repetitiva, o orçamento de base zero não faz apenas pequenas variações na estrutura da base das despesas que se repetem ano após ano. O orçamento de base zero permite incorporar a nova agenda de prioridades da sociedade nas políticas, programas e projetos ao longo do processo de alocação dos recursos escassos disponíveis. Identifica e elimina atividades e funções programáticas obsoletas e socialmente supérfluas. Amplia o grau de comunicação transversal e de interdependência entre políticas públicas de diferentes órgãos. Descortina oportunidades de privatizações, de terceirizações e de concessões de bens e serviços semipúblicos. Impõe a necessidade de que servidores públicos organizem metas e objetivos em função de sua missão, a partir de retreinamento metodológico específico. De acordo com a metodologia do orçamento de base zero, nenhum órgão da administração direta e indireta dispõe, inicialmente, de cotas preestabelecidas ou corrigidas segundo regras uniformes. Deve haver uma sólida justificativa para cada programa, subprograma ou atividade ser iniciada no orçamento a fim de ter acesso aos recursos fiscais. Essa função de reprogramação orçamentária deverá ser articulada com um projeto de Reforma do Estado, pois poderá resultar na desativação, na reordenação e na integração de programas e projetos de diferentes instituições do setor público.
Como não há no orçamento nem um Real de despesas que não esteja apoiado ou monitorado por alguma organização da sociedade civil ou por algum grupo estruturado de interesse regional ou setorial, é extremamente difícil que essa grande transformação orçamentária seja realizada por governos populistas e conformistas, cuja base política esteja alicerçada em grupos de interesses nem sempre orientados para o bem comum.
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