Em sua tradicional live de quinta-feira, transmitida pelas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro fez alguns comentários a respeito da pandemia de covid-19 que assola o Brasil e o mundo. Ao falar de métodos de prevenção, ele lançou dúvidas sobre a efetividade das máscaras.
“A questão da máscara, não vou falar muito porque ainda vai ter um estudo sério falando da máscara, se ela protege 100%, 80%, 90%, 10%, 4% ou 1%. Vai chegar esse estudo. Acho que falta apenas o último tabu a cair”, disse.
A fala do presidente, no entanto, está em total desalinho com as recomendações adotadas por todas as entidades nacionais e internacionais, que não identificam nenhum “tabu” a respeito do tópico no momento.
Desde junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de máscaras de tecido para todo mundo que precisa sair de casa.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, fez a mesma indicação um pouco antes, a partir do mês de abril.
No Brasil, o Ministério da Saúde reconhece que cobrir nariz e boca com tecido é uma das ações preventivas mais importantes — em seu site, a pasta até disponibiliza um guia para a confecção dessas peças em casa.
O próprio Bolsonaro, inclusive, sancionou a lei 14.019/2020, publicada no Diário Oficial da União no dia 2 de julho, que fala sobre “a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos”.
Em meio a essa polêmica, será que ainda existe alguma dúvida sobre a efetividade das máscaras entre os especialistas?
A ciência por trás dos rostos cobertos
Se você lembrar bem, no início da pandemia a orientação das autoridades era para que a população geral, sem sintomas sugestivos de covid-19, não botasse máscaras.
O medo era que faltassem equipamentos de proteção para profissionais de saúde e pacientes, que são os grupos que mais precisam deles.
Além disso, suspeitava-se que ficar com o tecido na face causaria incômodo nas pessoas, que iriam levar mais as mãos ao rosto para coçar ou arrumar a posição da peça. A crença era que isso aumentaria os riscos de infecção.
“E, como tudo era muito novo, não sabíamos se o tecido comum protegeria de verdade”, relembra a infectologista Melissa Medeiros, que faz parte do corpo clínico do Hospital São José de Doenças Infecciosas e do Hospital São Camilo, ambos em Fortaleza.
Com o passar do tempo e o avançar da ciência, esses temores se mostraram exagerados. Por outro lado, começaram a surgir evidências de que o uso das máscaras, mesmo aquelas mais simples, feitas de pano, teria um papel importante a cumprir.
Foi justamente aí que OMS, CDC e outras organizações perceberam a mudança e atualizaram suas diretrizes.
Mas não existem trabalhos com o mais elevado grau de evidência que comprovem definitivamente a efetividade dessa estratégia.
Testes rigorosos, como aqueles que são feitos com as vacinas atualmente, são praticamente impossíveis de serem realizados com as máscaras.
Afinal, seria impraticável (e até antiético) pedir que milhares de pessoas fiquem semanas sem usá-las, se expondo ao risco de contrair um vírus mortal, só para comprovar uma hipótese de uma pesquisa.
O que temos, então, são estudos observacionais e epidemiológicos. Eles não refletem o nível máximo da evidência científica, mas é o melhor que se pode fazer na realidade atual. Portanto, são considerados suficientes para seguir com as recomendações.
As cabeleireiras do Missouri
Uma das primeiras pesquisas a indicar a efetividade da máscara aconteceu no Estado americano do Missouri. Duas funcionárias de um salão de beleza estavam com covid-19 e, sem sintomas, foram trabalhar normalmente.
Durante oito dias, elas interagiram por um período de pelo menos 15 minutos com 139 clientes diferentes. Detalhe importante: tanto as cabeleireiras como os fregueses usaram máscaras o tempo todo.
“Algum tempo depois, 67 dessas pessoas foram testadas e todas deram negativo. Era uma situação de alto risco e não foi observado nenhum caso secundário”, relata o físico Vitor Mori, do grupo Observatório Covid-19 BR.
Outros trabalhos do tipo foram realizados em vários países. Na Tailândia, por exemplo, mil pessoas foram entrevistadas para descobrir o risco de estarem com covid-19.
Aquelas que diziam usar máscaras em momentos com chances de exposição ao coronavírus tinham um risco 70% menor de ter a infecção.
De acordo com o CDC, outros sete estudos populacionais confirmaram os benefícios do uso generalizado das máscaras. Eles foram feitos com de milhares de pessoas num sistema hospitalar, numa cidade alemã inteira e em 15 Estados americanos, entre outros contextos.
Todas essas investigações revelaram que, após a orientação do uso desses equipamentos de proteção, a taxa de novas infecções se manteve estável ou até caiu. Em comparação, nos locais que não adotaram a estratégia, os números subiram nesse mesmo período.
O CDC ainda calcula que, se o uso das máscaras fosse ampliado em 15% nos Estados Unidos nos próximos meses, isso evitaria um novo lockdown no país e impediria um prejuízo de 1 trilhão de dólares, o equivalente a 5% do PIB americano.
Mas como a máscara funciona?
Os especialistas asseguram que a máscara traz ao menos dois benefícios: ela protege quem usa e, ao mesmo tempo, resguarda quem está por perto de um indivíduo infectado.
“O tecido vai impedir que o vírus entre no nosso nariz ou na nossa boca a partir das gotículas de saliva que saem de uma pessoa durante tosses, espirros ou conversas”, resume a médica Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Esse mecanismo ganha mais importância porque já se sabe que a grande maioria dos pacientes com covid-19 não apresenta sintomas sugestivos (ou demora alguns dias para manifestar sinais da doença).
O preocupante é que esses indivíduos assintomáticos transmitem o vírus normalmente. Estima-se que eles sejam responsáveis por pelo menos 50% dos novos casos. O uso geral das máscaras, portanto, ajudaria a impedir essa difusão silenciosa pelas pessoas que nem sabem que carregam o coronavírus em seu organismo.
Ainda há um terceiro efeito benéfico dessa peça. Estudos preliminares revelaram que indivíduos que usam máscara, e mesmo assim pegam covid-19, costumam ter uma versão mais leve da enfermidade.
Especula-se que, nesses casos, a quantidade de vírus que ataca o corpo é menor. “Uma carga viral baixa estaria ligada a sintomas brandos e uma recuperação mais tranquila”, completa Mori. Mas esses ganhos dependem, claro, da escolha do modelo perfeito e de seu uso adequado.
Como escolher a sua?
As entidades nacionais e internacionais pedem que as máscaras tenham duas ou três camadas e cubram bem o rosto, desde a parte superior do nariz até o queixo. Elas devem ser feitas com algodão ou poliéster, com uma trama de tecido mais densa.
Portanto, não compre ou utilize modelos feitos com crochê que são vendidos por aí. Há algumas opções com lâminas transparentes de plásticos, que são ineficazes e até dificultam a respiração. “Evite também aquelas com rendas, bordados e pedrarias, pois isso dificulta a lavagem”, acrescenta Medeiros.
Existem vários cortes e estilos disponíveis hoje em dia. Procure aqueles que fiquem mais confortáveis e não machuquem as orelhas ou a nuca. No entanto, é importante que o tecido fique bem justo à pele e não apareçam passagens de ar nas bochechas, na maçã do rosto ou no queixo.
“A recomendação é que todas as pessoas com mais de dois anos de idade usem máscara o tempo todo que estiverem fora de casa”, diz Stucchi. A peça deve ser trocada imediatamente caso fique suja ou úmida. Se você vai ficar na rua por algumas horas, leve uma ou duas opções de reserva.
Dá pra lavar as máscaras na máquina, junto com o restante das roupas. Deixe secar bem antes de utilizá-las novamente. E, claro, se perceber algum rasgo nas camadas, é hora de jogar no lixo e renovar suas peças.
Vale lembrar que a máscara não é um salvo-conduto para relaxar as outras medidas. Ao sair, é primordial continuar cumprindo o distanciamento físico de pelo menos 2 metros e lavar bem as mãos com água e sabão ou, se não tiver uma pia e uma torneira por perto, com álcool em gel.
Modelos mais rebuscados
Além das versões de tecido, atualmente está mais fácil encontrar é a N95. Será que vale apostar nelas? Na maioria das vezes, as convencionais já dão conta do recado.
“Porém, caso você faça parte do grupo de risco para complicações pela covid-19 ou precisa se expor a uma situação mais arriscada, esses tipos podem trazer mais proteção”, sugere Mori. O mesmo recado vale para as máscaras cirúrgicas.
Outro equipamento que gera muitas dúvidas é o face shield, aquela lâmina de acrílico que é presa a um aro na cabeça e forma um escudo em toda a face. Ele é essencial para profissionais de saúde ou aqueles que têm contato direto com o público (como recepcionistas, por exemplo). Mas em hipótese alguma deve ser utilizado sozinho, sem as máscaras.
Apesar da polêmica e das informações falsas que pintam por aí, precisamos ter em mente que precisaremos usar as máscaras por um longo período.
“Até que tenhamos vacinas seguras e eficazes e com uma grande porcentagem da população já imunizada, continuaremos a depender delas para nos protegermos”, adianta Stucchi.
Eis uma moda que chegou para ficar — pelo menos enquanto a pandemia estiver entre nós.
Fonte: BBC News
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