O Ministério do Meio Ambiente (MMA) vai passar mais uma vez por reestruturação sob o governo Bolsonaro. A nova estrutura regimental da pasta, publicada na última quarta-feira (11) por meio do decreto nº 10.455, foi pensada para “trazer maior transparência, agilidade e eficiência na gestão ambiental”, segundo nota do MMA. Para especialista, no entanto, ela é mais uma “medida cosmética” para tentar maquiar a tão combalida gestão ambiental do atual governo. Esta é a segunda grande reestruturação no órgão em 20 meses.
Na nova estrutura, chamaram a atenção a recriação de uma secretaria voltada para as questões climáticas e a criação de outra com destaque para a Amazônia, propostas em meio a crescentes protestos ligados aos avanços do desmatamento e à iminência do descumprimento de metas relacionadas ao corte das emissões de gases de efeito estufa. Mas a reestruturação vai muito além disso, com a fusão e extinção de departamentos, mudanças de atribuições legais e criação de novos cargos comissionados de alto escalão que responderão diretamente ao ministro Ricardo Salles.
Secretaria de Mudanças do Clima
Pressionado por bancos, fundos de investimentos e por organizações do terceiro setor, o MMA, de fato, recriou uma secretaria que responderá por questões climáticas, desta vez ligada a Relações Internacionais. A secretaria dedicada ao tema havia sido extinta na primeira semana do governo Bolsonaro.
Apesar de ter ganhado destaque, a simples criação de uma secretaria que leva o nome “clima”, segundo especialistas, não significa que o governo esteja comprometido com o tema, já que a adoção de uma Política sobre Mudanças no Clima exige um conjunto de posturas e medidas nas quais a estrutura interna é apenas executora.
“A mudança de estrutura por si mesmo pode ser completamente fake, jogo de palavras. Ora, um governo que desmonta o Fundo Amazônia, paralisa o Fundo Clima, demite os diretores do Ibama que levavam à sério a fiscalização, desqualifica o INPE, desqualifica o Acordo de Paris, as mudanças climáticas… Então, a questão climática começa comprometida por essas atitudes, que resultam no aumento do desmatamento e das emissões”, disse Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, a ((o)) eco.
O fato de a secretaria vir associada às Relações Internacionais também causou estranheza. Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), “o melhor exemplo de que o governo tem tomado várias medidas cosméticas somente para contrapor, como o próprio governo diz, a narrativa que ele considera ser uma ‘campanha difamatória internacional’ é a questão das mudanças climáticas terem voltado para a agenda subordinada às Relações Internacionais, como se a gente só tratasse de mudança do clima daqui para fora, mas não tivesse responsabilidade [sobre o tema] para dentro”, disse.
Secretaria da Amazônia
A Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais, prevista na nova estrutura, foi criada para dar “maior relevância a temas importantes para o meio ambiente”, diz a nota do MMA. À Folha, o ministro Ricardo Salles declarou que tal secretaria vai “fazer a ponte entre órgãos estaduais, federais e o Conselho [da Amazônia]”. Comandado pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o Conselho da Amazônia assumiu, desde o início do ano, as políticas de controle do desmatamento, monitoramento e fiscalização do bioma, atribuições que eram do Ibama.
Nesta secretaria também está inserido o Departamento de Ecossistemas (DECO), que antes fazia parte da Secretaria de Biodiversidade. Ao DECO compete, entre outras atribuições, propor, coordenar e implementar programas para todos os ecossistemas brasileiros, não somente ao bioma Amazônico.
“Qual será o real foco desta secretaria, uma vez que dentro de suas atribuições também está a recuperação e uso sustentável dos demais biomas brasileiros?”, questionam os servidores do Ministério, por meio de nota publicada pela Associação Nacional de Servidores de Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema Nacional).
Secretaria de Áreas Protegidas
Um dos departamentos da antiga Secretaria de Biodiversidade – uma grande secretaria que englobava desde patrimônio genético até ecossistemas, passando por espécies ameaçadas e áreas protegidas, que faziam a ponte entre os temas –, o Departamento de Áreas Protegidas (DAP), ganhou status de Secretaria.
A mudança gerou polêmica por dois aspectos. O primeiro é que os objetivos da nova secretaria são similares ao do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do MMA criada em 2007 justamente para cuidar da gestão das unidades de conservação brasileiras.
“Retirar as atribuições desse órgão e passá-las para uma secretaria específica do MMA significa uma concentração de poder e um futuro de incerteza”, afirma nota da Ascema.
Para Salles, a nova secretaria vai apenas “apoiar e complementar” o trabalho do ICMBio.
Além disso, foram retiradas das competências da pasta a avaliação da representatividade das UCs para a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, o apoio à constituição de mosaicos de áreas protegidas e corredores ecológicos, e a coordenação, no âmbito de suas competências, da implementação de acordos internacionais relacionados às UCs.
A segunda polêmica em torno da formatação da nova Secretaria de Áreas Protegidas é sobre a criação de um Departamento de Concessões dentre de sua estrutura. Desde o início do governo, Bolsonaro e seu ministro Salles têm demonstrado um desapreço pelas áreas protegidas e o interesse em passar a gestão das unidades de conservação para a iniciativa privada. Para os especialistas ouvidos por ((o)) eco, a criação de um departamento voltado para concessões traz o risco que essa política de concessão total das UCs seja de fato implementada.
“A questão das concessões de áreas protegidas até hoje não tá claro para gente se o governo, quando fala em concessão, ele fala aquilo que a gente entende que já é previsto e aplicado em algumas UCs, que é a concessão dos serviços, ou ele [governo] está falando a concessão da própria área. Acho que isso é um problema”, diz Adriana Ramos, do ISA.
Biodiversidade
A nova estrutura regimental do MMA também resultou em uma redução bastante grande na Secretaria de Biodiversidade (SBio), que perdeu departamentos e atribuições.
Na nova estrutura, foram deixados apenas os departamentos de patrimônio genético e espécies – que ganhou uma nova competência, inclusive, “a proteção e defesa animal”, voltada unicamente para animais pet, historicamente uma atribuição de estados e municípios -, e criado o departamento de Educação Ambiental.
Além disso, some desta secretaria a atribuição sobre a coordenação e implementação de acordos internacionais relacionados à conservação e ao uso sustentável da fauna, flora e recursos pesqueiros, como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestre Ameaçadas de Extinção (CITES), por exemplo.
Cargos comissionados
O decreto 10.455 prevê ainda o aumento no número de cargos comissionados de alto escalão (cargos de confiança, por indicação política e que não exigem qualificação técnica, chamados dentro do MMA de DAS) e consequente redução no número de funções gratificadas (cargos de chefia e coordenação destinados a servidores públicos qualificados), como explica Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
“Existe um limite de valor a ser colocado em DAS dentro dos ministérios, geralmente combinado com a Casa Civil. O ministro pode escolher dividir em vários DAS pequenininhos, e daí você ajuda a equipe técnica a ter um pouco mais de salário. Quando você opta por DAS altos, elimina os menores. Então, se você precisaria ter um coordenador de pesca dentro da Secretaria de Biodiversidade, por exemplo, não vai poder, porque não tem mais DAS para isso”, diz.
Somente na função gratificada de mais alto nível – cujo salário é de cerca de R$ 13 mil, mais auxílio moradia de cerca de R$ 4 mil – foram criados oito cargos, a maioria deles a serem alocados no gabinete do ministro Ricardo Salles.
“Isso significa alta concentração de poder decisório próximo ao ministro, um controle político das secretarias temáticas”, explicou a ((o))eco a ex-presidente do Ibama.
A redução de cargos de coordenação foi feita, segundo o MMA, para “achatar a pirâmide estrutural do ministério, aproximando os dirigentes dos servidores”. Para os funcionários, essa “aproximação” pode não ser efetiva.
“Hoje já temos uma dificuldade de diálogo e nosso receio é que, com isso [nova estrutura], as coisas fiquem ainda mais distantes do corpo técnico”, diz Tânia de Souza, analista ambiental e diretora geral da Associação dos Servidores do Ministério do Meio Ambiente, entidade afiliada à Ascema.
Fonte: O Eco
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