Farid Mendonça Júnior (*)
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“A necessidade de adaptação e sobrevivência vai nos transformando e quando finalmente sairmos deste mundo pandêmico já teremos desfeito grande parte do que fomos e ainda somos rumo a algo novo, que ainda não sei se será melhor, mas procuro acreditar que sim.”
Em época de quarentena todos nós estamos sendo atingidos. Vizinhos, familiares e conhecidos, ninguém escapa, em tese. E até tu serás atingido.
Mas as quarentenas são diversas. Já ouvi dizer que não estamos no mesmo barco, mas sim na mesma tempestade. Sim, acredito nisso.
E as quarentenas são diferentes por diversos motivos: valores, renda, tipo de habitação, sexo, gênero, profissão, estado civil, ter crianças ou não, ser rico ou ser pobre, etc.
Mal dá pra comer…
Quem é rico ou funcionário público em regra está relativamente bem. Os recursos podem diminuir, mas rico não vai deixar de ser rico, e em tese funcionário público não vai deixar de receber, e também não vão ter problema de passar fome, não vão ter problema com o plano de saúde, etc.. Já o pobre, o informal, o desempregado, bem, estes terão que se sustentar todo mês com os R$ 600,00, o que em tese mal dá pra comer.
O fato é que se tivermos problemas de saúde, teremos algum tipo de problema devido ao sobrecarregamento do sistema de saúde, público ou privado.
Continuando, a quarentena não é seletiva, é geral, é mundial, mas é diferente. As perspectivas são muito diferentes.
“As máscaras caíram”
Por exemplo, a questão da família. Neste momento, a proximidade do núcleo familiar é intensa e aflora dentro de um determinado espaço. Em situações normais era muito fácil deixar o filho ou filha com uma babá, na creche ou na escola e cair fora, discutir com a esposa ou vice-versa e resolver dar uma volta, almoçar ou jantar com a família na mesa, mas cada um concentrado no seu celular. Conforme observado pelo filósofo Leandro Karnal, o confinamento direto da família “fez as máscaras caírem” e muitas vezes é duro enfrentar a realidade.
A necessidade de concentração diária dos pais com os filhos, as tarefas, as brincadeiras, a falta de maturidade natural das crianças em entender o problema são questões a serem enfrentadas todos os dias.
A pandemia das trevas
É fato também o aumento dos conflitos familiares na pandemia, sobretudo a violência contra a mulher. Situações de violência que antes estavam concentradas em horários mais específicos como no período noturno devido à necessidade de trabalho ao longo do dia, não possuem horário certo para ocorrer agora.
Segundo o artigo Violência contra mulheres e meninas é pandemia das sombras, “o confinamento está promovendo tensão e tem criado pressão pelas preocupações com segurança, saúde e dinheiro. E está aumentando o isolamento das mulheres com parceiros violentos, separando-as das pessoas e dos recursos que podem melhor ajudá-las.”
O mundo vai acabar?
Entramos numa espécie de filme Hollywoodiano, tipo aqueles filmes de ficção científica de que o mundo vai acabar. Só que o filme que vivemos é muito mais longo do que aquelas 2 horas em média de filme que assistimos. Dormimos e acordamos no filme da vida real e nos deparamos com notícias ruins e com a falta de esperança.
Começamos a contar dia 1,2,3,10,20 e começamos a perder a conta. Estávamos acostumados com o curto prazo ou com o fast food da vida moderna para resolver praticamente qualquer problema. Não para enfrentar uma situação de 3 a 6 meses. Nada que consideramos a longo prazo.
Como tratar da ansiedade?
O que dizer então da ansiedade que às vezes confundimos com uma certa esperança. Ansiedade de que a coisa seja logo resolvida para que possamos, enfim, voltar para a nossa vida normal. Sim, aquela vida do acorda, se arruma, engole o café, corre pro trabalho, trabalha, retorna pra casa e dorme, e tudo começa outra vez.
Evidente que os quadros aqui descritos são os dos que possuem família e filhos. Mas também temos a situação de solteiros, de idosos, de grupos de risco, de grávidas, de deficientes físicos e mentais, entre outros. A complexidade do problema é proporcional à diversidade das pessoas.
Continuamos confinados assistindo pela televisão a dura realidade dos internados e dos mortos que assistimos pela televisão e pela internet mundo afora. Percebemos que o problema afeta ricos e pobres e, que, portanto, afeta a todos.
Os passos da tartaruga
Por estes mesmos canais testemunhamos com gotas de esperança o avançar da ciência, que dia após dia parece andar a passos de tartarugas. Temos dificuldade de entender por quê que em meio a tantos estudos uma vacina ainda não foi inventada ou o motivo de não terem começado, em muitos casos, os testes em humanos, ou ainda a razão de haver um procedimento ou protocolo demorado para isso.
Assistimos também a embates políticos ideológicos, o que nos causa um grande conflito em buscar a verdade dos fatos. Queremos acreditar muitas vezes em qualquer palavra ou solução para o problema, desde uma solução religiosa a um remédio com efeitos instantâneos.
Eclode a solidariedade
Finalmente, acabamos (muitos) amadurecendo o pensamento do quão pequenos e grandes podemos ser. Pequenos diante de toda esta problemática que nos leva a pensar na nossa impotência. Mas, ao mesmo tempo, nos tornamos grandes em pensar e agir, diante desta situação inusitada, rumo a uma maior fraternidade, união e dedicação de esforços em prol dos nossos semelhantes. Afloram iniciativas que vão desde indústrias produzindo equipamentos médicos e fazendo doação à distribuição de comida para os moradores de rua.
Começamos então a resgatar valores antes esquecidos ou adormecidos. Entramos na busca de conhecer melhor a nós mesmos. A necessidade de adaptação e sobrevivência vai nos transformando e quando finalmente sairmos deste mundo pandêmico já teremos desfeito grande parte do que fomos e ainda somos rumo a algo novo, que ainda não sei se será melhor, mas procuro acreditar que sim.
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