Os incêndios continuam a se alastrar em níveis elevados na Amazônia brasileira pelo segundo ano consecutivo, deixando a comunidade científica preocupada com a possibilidade de a destruição da floresta chegar a um ponto sem volta.
Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo, as medidas governamentais para conter os incêndios ilegais tiveram pouco efeito, já que as chamas e o desmatamento destroem vastas áreas da maior floresta tropical do mundo.
A maior parte dos incêndios na Amazônia é causada por grileiros e garimpeiros, que buscam transformar partes da floresta em empreendimentos agrícolas lucrativos.
E agosto deste ano foi um período particularmente ameaçador para a região: dados preliminares coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que o mês passado registrou 29.307 incêndios na Amazônia brasileira .
No entanto, devido a um problema técnico com o satélite da NASA responsável pelo rastreamento de incêndios, os especialistas dizem que o número pode ser ainda maior.
A contagem final de focos registrada em agosto deve subir 2% acima do total de agosto de 2019 de acordo com Albert Setzer, cientista sênior do INPE – o que tornaria este agosto o pior dos últimos dez anos.
Quanto mais fogo, mais rapidamente a floresta tropical se transformará em pastagens para rebanhos ilícitos e plantações de soja.
De acordo com uma pesquisa da ONG MapBiomas, que rastreia o uso do solo no Brasil, 95% do desmatamento feito no Brasil em 2019 não foi autorizado. “A maioria (dos incêndios) é ilegal”, afirmou Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro e atual coordenador da MapBiomas.
O desmatamento no bioma amazônico brasileiro atingiu 4.749 quilômetros quadrados – uma área pouco maior que três cidades de São Paulo juntas – no período de janeiro a julho de 2020. Os dados de desmatamento de agosto ainda não foram divulgados.
Caminho sem volta?
A intensificação dos incêndios pode estar levando a Amazônia a um ponto de inflexão, no qual grandes áreas de floresta não seriam mais capazes de produzir chuva em nível suficiente para se sustentar.
A opinião é de Carlos Nobre, um dos principais cientistas climáticos do Brasil e pesquisador da Universidade de São Paulo.
De acordo com Nobre, isso faria a floresta tropical começar a morrer, transformando-se, ao final, em savana.
Os cientistas explicam que Amazônia serve como um gigantesco sistema de “ar condicionado” para o planeta, influenciando a temperatura global e os padrões de chuva.
E uma Amazônia saudável também absorve dióxido de carbono, enquanto os incêndios fazem o oposto, liberando na atmosfera grandes quantidades da mesma substância, que retém o calor.
O desmatamento na Amazônia brasileira se acelerou desde que Bolsonaro assumiu o cargo no início de 2019, e ambientalistas acusam o presidente de encorajar o avanço em terras protegidas.
A pressão de investidores e empresas internacionais nos últimos meses levou o presidente brasileiro a emitir uma moratória de 120 dias em 15 de julho, proibindo incêndios legais durante esse período na Amazônia e no Pantanal, que é a maior área úmida do mundo.
No entanto, dados do INPE parecem mostrar que a proibição foi totalmente ignorada. De 15 de julho ao final de agosto, as queimadas na Amazônia permaneceram no mesmo nível (cerca de 35 mil focos) e quase quadruplicaram (de 2035 a 7.320 queimadas) no Pantanal, em comparação com o mesmo período de 2019.
O governo brasileiro também lançou, em maio, a Operação Brasil Verde 2, que mobilizou as Forças Armadas para o combate ao desmatamento e incêndios na Amazônia em conjunto com os órgãos ambientais federais e as polícias locais.
Mas os esforços também não conseguiram deter a destruição da Amazônia, como reconheceu o vice-presidente Hamilton Mourão, que comandou a operação. “Estamos atrasados na luta contra o desmatamento”, admitiu Mourão em uma coletiva de imprensa em 4 de setembro, pedindo mais tempo para mostrar os resultados.
A última fronteira: Amazonas
O estado brasileiro do Amazonas é uma das últimas fronteiras onde as florestas permanecem preservadas em sua maior parte. No entanto, mesmo lá as operações ilegais de madeireiros e pecuaristas estão se expandindo.
O desmatamento cresceu 209% no estado do Amazonas desde que Bolsonaro assumiu o cargo – destruindo 2.185 quilômetros quadrados de floresta em menos de dois anos.
A expansão agrícola não regulamentada leva pequenos agricultores e pecuaristas a adentrar cada vez mais na floresta.
“Como as terras mais próximas das estradas pertencem a grandes latifundiários, os proprietários rurais com menos poder econômico são empurrados para a floresta, seja usando a pressão econômica ou política, seja pelo uso da violência”, afirmou Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace.
As áreas mais degradadas fazem fronteira com duas rodovias federais no sul do Amazonas. Na cidade de Apuí, próximo ao entroncamento das duas estradas, o desmatamento atingiu 284 quilômetros quadrados no ano passado – quase o dobro do desmatamento de 2018.
E cada vez que a fronteira agrícola é empurrada para dentro da floresta, a Amazônia se aproxima mais de seu ponto de inflexão.
De acordo com Nobre, um sintoma do desmatamento acelerado são as estações secas mais longas. Isso será sentido inicialmente no Brasil e em outras partes da América do Sul, já que a Amazônia gera grande parte das chuvas para o restante do país, e também afeta a precipitação nos vizinhos Paraguai, Uruguai e Argentina.
E mesmo os fazendeiros e pecuaristas sentirão as consequências. “Essa ‘savanização’ da Amazônia levará a uma redução das chuvas que afetará principalmente o setor agrícola, que está causando o aumento do desmatamento. É um verdadeiro tiro no pé”, disse Batista, do Greenpeace.
Se a Amazônia um dia desaparecesse totalmente, as chuvas do Brasil seriam reduzidas, em média, em até 25%, segundo uma previsão feita com um exercício de modelagem por pesquisadores da Universidade de Princeton.
As temperaturas médias também aumentariam cerca de 2 graus no Brasil e 0,25 grau no mundo inteiro.
Nobre prevê que o ponto de inflexão para quando a Amazônia não puder mais se sustentar fica entre 20% e 25% do desmatamento. Até agora, o bioma perdeu 17% de sua área original, de acordo com o INPE.
“É difícil dizer quando isso vai acontecer, mas estamos vendo que está chegando mais rápido do que pensávamos”, afirmou Nobre.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).
Fonte: CNN
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