“Num brilhante ensaio sobre Modernidade, “Afinal, quem é mais moderno neste país?”, publicado em 2005, pela Universidade de São Paulo, o romancista Márcio Souza menciona a estrutura da indústria eletrônica da Zona Franca de Manaus, no século XX, além da agricultura capitalista de pequenos proprietários – a partir de 1760, com o Marquês de Pombal –, a economia extrativista que ganhou status de exportadora décadas mais tarde, e a manufatura de artefato dessa época, incluindo o polo naval de Belém e arredores, como alguns dos lampejos de Modernidade da Amazônia.“
Alfredo Lopes
______________
Hoje é dia do Amazonas e da Amazônia Com a ajuda do professor Augusto César, vamos registrar aqui nossa maior efeméride regional. Em 5 de Setembro de 1850, foi instalada a Província do Amazonas, um território até então administrado pelo Grão-Pará e Rio Negro, que substituiu o outrora Grão-Pará e Maranhão. Ares mais livres bafejavam essa modulação geopolítica de governança imposta pela Coroa Portuguesa, monarquista e escravagista.
A recusa sempre foi sistemática, e rechaçada pelos valores e posturas mais liberais na Amazônia de então. Influenciado pela Revolução Francesa, a nossa região – por sua insurgência – foi alvo de uma guerra sangrenta, desconhecida e genocida, chamada Cabanagem. Por analogia, ou coincidência, o 5 de Setembro, além do Amazonas independente, celebra a Amazônia emblemática, a maior esfinge da modernidade.
Amazônia, modernidade e direitos civis
Num brilhante ensaio sobre Modernidade, “Afinal, quem é mais moderno neste país?”, publicado em 2005, pela Universidade de São Paulo, o romancista Márcio Souza menciona a estrutura da indústria eletrônica da Zona Franca de Manaus, no século XX, além da agricultura capitalista de pequenos proprietários – a partir de 1760, com o Marquês de Pombal –, a economia extrativista que ganhou status de exportadora décadas mais tarde, e a manufatura de artefato dessa época, incluindo o polo naval de Belém e arredores, como alguns dos lampejos de Modernidade da Amazônia.
São indicadores de primórdios liberais, políticos e de efervescente dramaturgia do Grão-Pará e Rio Negro, no país das Amazonas, a partir de 1775. Esta colônia imperial, composta de homens livres e libertários, empreendedores, criativos, atentos às oportunidades regionais, configurou uma economia planejada, um tecido social participativo.
Havia, então, espaço para militância civil das mulheres, que floresceu com a Sociedade das Novas Amazonas, reunindo mais de mil guerreiras do embate de organização da polis, irradiando de Santa Maria de Belém, no século XVIII, para todo Vale Amazônico, a defesa de direitos civis.
A história de um genocídio
O destaque para esta Amazônia ignota se opõe a um Brasil escravagista, dependente do braço escravo e do modelo agrícola de monoculturas e latifúndios. Originalmente o lugar escolhido para a Corte Tropical, quando Portugal se abrigou por aqui para fugir as retaliações napoleônicas do século XIX, a Amazônia viu fugir para Salvador e depois Rio de Janeiro sua vocação de modernidade estratégica.
A comparação destes dois agrupamentos sociais desembarca num confronto de princípios e de valores, onde o mais truculento se dirige ao mais organizado num gesto genocida sem paralelo na história continental. “Aqui muito sangue também foi derramado e princípios também estiveram em jogo. Basta relembrar como foram os trágicos anos vividos pelo então Grão-Pará entre 1823 e 1840”, sublinha o romancista.
Trata-se do genocídio da Cabanagem. Portugal tinha duas colônias na América: o Brasil e o Grão-Pará e Rio Negro. As distâncias implicaram em mudanças gerenciais e estratégicas, obrigando o remanejamento de contingentes humanos. Se de Lisboa a Belém, eram 30 dias, utilizando ventos e correntes na rota Caribe e maior influência europeia; Lisboa a Salvador ou Rio de Janeiro, ventos da rota África eram 90. Daí o recrutamento de escravos. E do Rio de Janeiro a Belém, até 5 meses, rota temerária, ventos e correntes desfavoráveis.
Entre 1823 e 1840, o Grão-Pará, por não adotar o paradigma de governança do Império brasileiro, foi anexado brutalmente ao Brasil, perdendo na guerra da Cabanagem cerca de 40% de sua população (mais de 60% da população masculina) e toda sua base econômica. Uma violência mais cruenta que o morticínio de Ruanda, Camboja ou Armênia, que chocaram o Século XX. Precisamos meditar sobre este relacionamento da região com o poder central.
Celebração do Amazonas, da Amazônia e do Brasil
Em ensaio sobre as Lições do Ciclo do Borracha, de minha autoria, publicado em 2015, igualmente pela EDUSP, buscamos sintetizar no pioneirismo de Cosme Ferreira, a atitude dos empreendedores da Amazônia, expressa em seu livro Amazônia em Novas Dimensões: a atitude pacífica com que temos olhado a nossa busca de comunhão com este Brasil vesgo e agressivo: “O homem que Euclides da Cunha considerou um intruso, a perturbar com sua presença a serena e majestática gestação de um capítulo inacabado do Gênesis, é aqui, na realidade, o visitante longamente esperado, que apenas completará a paisagem, violando-a para que possa frutificar em benefícios que, de há muito, deveriam estar sendo fruídos pela comunidade brasileira, para não dizer pelo próprio mundo, tão carecedor desse imenso campo de trabalho, acolhedor e pacífico”.
O Brasil reagiu com modernidade veemente a truculência do presidente imprudente. Dia 5 de Setembro, o Dia do Amazonas, virou Dia da Amazônia, de nossa vocação para a Modernidade; é o Dia da Integração, inteligente, politicamente articulada, socialmente fraterna, economicamente necessária e próspera, com este Brasil que nos subtraiu o rosto e, por isso, reluta em acolher a si mesmo. Até quando?
Comentários