Entrevista com Márcio Holland (*)
O conjunto de medidas que a equipe econômica e o Banco Central anunciaram até o momento tem efeitos limitados diante da profunda desorganização na cadeia de produção global em virtude da pandemia de Covid-19, provocada pelo novo coronavírus. A avaliação é do economista e professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Márcio Holland. “Não tendo medidas à altura para minimizar essa crise, poderemos certamente ter um quadro de recessão no ano que vem também”, afirmou ele, em entrevista ao Blog de Economia do Correio Braziliense
O gasto público se impõe
O importante, no entender do professor da FGV, não é preservar a solidez fiscal ou zelar pela estabilidade monetária e a solidez do sistema financeiro. Ele sugere um aumento de gastos públicos em torno de R$ 375 bilhões, ou seja, 5% do Produto Interno Bruto (PIB), para conter os estragos da crise atual, principalmente, focando nos empregos e no socorro a empresas. “Novamente, estamos vivendo momentos extraordinários que requer decisões não usuais. Esqueçam as metas fiscais. Esqueçam as metas de inflação. Elas não valem nessas circunstâncias. Aumento de 5% do PIB na dívida pública não devem mudar avaliações de solvência fiscal, nem o rating soberano dos países no momento atual”, sugeriu. A dívida pública bruta encerrou 2019 em 76,1% do PIB.
Socorrer trabalhadores e empresas
O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda lembrou que as maiores economias do planeta estão adotando medidas nesse sentido, com pacotes fiscais expressivos para socorrer os trabalhadores e as empresas. Para ele, o governo não pode ter medo de gastar, porque as consequências serão piores do que se imagina. “Neste momento, o governo precisa olhar para os trabalhadores formais e informais e para as empresas que precisam sobreviver ao choque agudo que essa epidemia causou na economia. Não dá para deixar destruir os empregos”, alertou. Ele prevê um aumento substancial no número de desempregados e acredita que a previsão da XP Investimentos, de que esse número pode chegar 40 milhões precisa ser considerado.
Se o confinamento durar mais de duas semanas…
Pelas projeções do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap), da FGV-SP, divulgadas na semana passada, o Produto Interno Bruto (PIB) poderá encolher até 4,4% neste ano. Mas Holland alertou que esse cenário “poderá ser pior se o confinamento das pessoas for por um período mais prolongado do que duas semanas”. Para ele, a recessão que está se formando deverá se estender até 2021 se o governo não adotar medidas mais contundentes.
O conjunto de medidas do atual equipe econômica, na avaliação de Holland, tem baixíssimo impacto orçamentário e muitas medidas são de remanejamento de despesas, como o adiantamento do 13º dos aposentados de agosto para abril e o diferimento de impostos. Pelas contas dele, não chegam a 1% do PIB e não são muito eficazes para a retomada da atividade. Ele lembrou que o o pacote de liquidez no mercado de crédito que pode chegar a R$ 1,2 trilhão do BC também não tem eficácia no momento, porque não há demanda por financiamentos. “Não é hora de tomar empréstimo. Muitas medidas não têm impacto fiscal ou não têm eficácia no momento. As pessoas não vão tomar recursos agora. Essas medidas estão aquém do necessário para o impacto na economia”, explicou.
Ampliação do Bolsa-Família
As propostas de Holland estão em linha do que vários economistas defendem para a presevação do bem-estar social dos brasileiros, como Monica de Bolle, do Petterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Uma das sugestões feitas pelo professor da FGV é a extensão do benefício do Bolsa Família para todos os beneficiários inscritos no Cadastro Único por 12 meses, ampliando o valor do benefício para R$ 400 por mês e um programa de manutenção do emprego formal, suspendendo por 90 dias o pagamento de todos os tributos federais, incluindo contribuições previdenciárias.
Trabalhadores autônomos – dois salários mínimos
Outra proposta do ex-secretário é o pagamento, por três meses, de um voucher de dois salários mínimos (R$ 2.090) para os trabalhadores autônomos e informais que, devido ao isolamento social, estão temporariamente sem renda alguma. “Trata-se de benefícios para brasileiros que não estão inscritos no Cadastro Único. Caso as empresas tenham que dispensar seus trabalhadores, parcial ou integralmente, propõe-se um programa de diferimento de pagamento de tributos federais associada com pagamento automático de seguro desemprego a todos os trabalhadores dispensados, por pelo menos 6 (seis) meses”, sugeriu.
Apoio às empresas
Holland também propõe uma política de subsídio para preservar a saúde financeira de empresas, como linhas de capital de giro com juros próximos a zero, sem cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas com recursos oriundos de outras fontes, como a redução das exigibilidades bancárias (depósito compulsório) de 17% para 10%, com recursos condicionados a formarem linhas de créditos para capital de giro. “Os recursos não utilizados por bancos privados devem obrigatoriamente migrar para bancos públicos que obrigatoriamente devem colocar à disposição do mercado”.
Fonte: Correio Braziliense – Publicado em 25/03/2020 – ROSANA HESSEL
(*)Marcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), colunista no Broadcast / Agência Estado, coordenador do Observatório das Estatais. Com doutorado em Economia é pós-Doutor pela University of California, Berkeley, EUA e foi visiting fellow em Columbia University, EUA. Autor de livros, capítulos de livros e de diversos artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais de referência. Este ano publicou pela Fundação Getúlio Vargas estudos sobre “ZFM: impactos, efetividade e oportunidades”, sob sua orientação com a presença de vários especialistas em economia, tributos e desenvolvimento regional.
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