Foto: Infomoney
Alfredo Lopes entrevista o prof. Jacques Marcovitch-USP
Parceiro de primeira grandeza, o professor Jacques Marcovitch abriu as portas da USP, a mais qualificada academia do país, onde já foi reitor, para o Amazonas e foi decisivo para assegurar 22 bolsas para a UEA formar, em conjunto com a Faculdade de Economia e Administração da USP, doutores em gestão da Amazônia, atendendo um velho sonho e carência de nossa região. Foi com apoio do CIEAM, sob a batuta de seu presidente Wilson Périco, que esta parceria abriu outras portas colaborativas para o Amazonas na área de saúde, educação, tecnologia e, especialmente, nossa economia, pauta de vários tópicos nos programas de doutorado que o Professor Marcovitch orienta. Gestão da Amazônia virou assunto na Pauliceia, e este é o resumo do avanço neste relacionamento e razão de nosso agradecimento por essa honrosa presença na Tribo. Confira a entrevista.
1. Alfredo Lopes – Quais tendências mundiais e desafios globais marcam este início de 2020 e sua relação com a Amazônia?
Jacques Marcovitch – Somos testemunhos de uma profunda reconfiguração da geopolítica global. Os Estados Unidos mobilizados para preservar a sua posição de principal potência mundial; a China empenhada em se tornar uma potência mundial; a Europa luta para preservar a sua unidade em construção, enquanto a Rússia e a Turquia buscam elevar a sua influência regional e global. Quanto aos desafios, fluxos migratórios, rupturas tecnológicas e conflitos regionais marcam o início da nova década. Com taxas de crescimento modestas, os planos econômicos buscam conciliar expectativas crescentes com a necessidade de investimentos de longa maturação, a democracia convive com partidos políticos fragilizados e mídias sociais de elevado impacto na evolução das mentalidades. Na esfera ambiental, a juventude reivindica mais responsabilidade no uso dos recursos naturais, em especial, na redução das energias fósseis, mais eficiência na produção de alimentos, recuperação de áreas degradadas, e o combate ao desmatamento. São tendências e desafios que demandam do Brasil, e de suas lideranças, novas competências humanas para o enfrentamento dos novos riscos e nos remetem ao desafio de Gestão da Amazônia, pauta de todos os debates globais sobre Clima e Sustentabilidade. .
2. A.L – O Brasil e a Amazônia padecem de lideranças, de estratégias e métricas para a gestão de nosso patrimônio natural e controle efetivo de resultados de projetos em busca de desenvolvimento. Como enfrentar esse desafio?
J.M. – A inserção na economia global e a ação socioambiental são prioridades indissociáveis. As mesmas lideranças que militam para a adesão do Brasil à OCDE e para a celebração de acordos internacionais para o aumento das exportações brasileiras, terão que aderir às estratégias de gestão responsável do patrimônio natural e de suas métricas. Em 2019, Stephen Pacala e Elena Shevliakova, da Universidade de Princeton, estimaram o impacto do desmatamento da floresta no clima da região amazônica e adjacências. Caso a Amazônia virasse paulatinamente pasto, além de um aumento médio da temperatura da região em 2 a 3 graus centígrados, o volume anual de chuvas seria reduzido em até 800 milímetros na região, com drásticos efeitos para outras regiões do Brasil e do planeta. Estes cenários, somados à defesa do Acordo de Paris pela maioria dos países, exigem a convergência de todas as lideranças brasileiras a considerar a Amazônia, como o principal foco da Contribuição Nacionalmente Determinada (CND/Brasil 2030). O ponto de partida, na batalha pelo cumprimento das suas metas é a restauração de 12 milhões de hectares de áreas degradadas.
3. A.L. – A Conferência Internacional sobre Gestão da Amazônia, realizada em agosto 2018, pelos parceiros USP e UEA, pôs em pauta a questão da economia alinhada necessariamente com a ecologia do ecossistema florestal amazônico. Quais as premissas necessárias para avançar essa modelagem de desenvolvimento?
J.M. – Para avançar cabe mobilizar atores infranacionais como o Estado do Amazonas e o Estado de São Paulo. O primeiro, além da sua relevância global devido à floresta amazônica, seu governo tem revelado protagonismo internacional e preside a Força-Tarefa Mundial de Governadores para Climas e Florestas. Quanto ao Estado de São Paulo, além de ser a décima-nona maior economia do mundo, celebrou com o setor produtivo o Acordo Ambiental São Paulo para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e incentivar a preservação ambiental. Neste contexto, é necessário lembrar o posicionamento brasileiro defendido na COP25. Lamentavelmente o Brasil, nos debates de Madri, sem fechar um acordo sobre o mercado de carbono, obstruiu a publicação de uma carta final que correspondesse às expectativas globais. Entrincheirou-se numa posição crítica e nada construtiva, em nome da soberania do nosso território. Na verdade, opunha-se a uma declaração que validasse o mandamento-chave para a contenção das emissões de carbono. Em contraposição, nesta mesma COP 25, dois estados da federação, Amazonas e São Paulo ofereceram uma destacada contribuição para avançar a modelagem de desenvolvimento sustentável no Brasil.
4. A.L. – No Amazonas, a parceria USP e UEA no doutoramento de novos gestores ilustra alguns frutos dessa interação. Se o país padece historicamente de gestores qualificados, na Amazônia esse é um gargalo emergencial. Como disseminar esse legado no desafio de preparar as novas gerações para conhecer, se envolver e gerenciar projetos na Amazônia?
J.M. – O repensar da Universidade e seus impactos para a sociedade constituem um dos temas mobilizadores neste início de década. Para trazer a questão ao terreno da concretude, lembremos um ensaio recente, publicado pelo cientista brasileiro Umberto Cordani, na Revista Estudos Brasileiros, da Universidade de Salamanca. Ele estabeleceu as bases de uma política pública focada na abundância de recursos minerais na região amazônica. Argumenta que ainda é precário o conhecimento geológico indispensável para uma exploração organizada. E sustenta, com razão, que não há empreendimento que se assemelhe, economicamente, a esta fonte como geradora de riquezas. Para tanto, urge ampliar a pós-graduação pertinente, preservar a mineração bem estruturada, combater o garimpo ilícito ou inadequado e vencer os obstáculos para o gerenciamento de terras na vastidão geográfica amazônica. Esta proposta nos remete à responsabilidade das universidades em formar, além de bons profissionais e de empreendedores, líderes dotados dos valores humanos e das competências necessárias para assumir responsabilidades em prol de um crescimento sustentável com uso inovador de recursos naturais.
5. A.L. – Nos últimos anos, sua presença na Amazônia, tanto para inserir os Pioneiros do Amazonas no Programa do Pioneirismo Brasileiro – e mostrar ao país quem iniciou o desenvolvimento deste Estado – e viabilizar o DINTER-USP-UEA de Administração, tem representado uma parceria fecunda entre São Paulo e nossa região. Que lições e outros benefícios essa aproximação poderia oferecer ao Brasil que tem tantas dificuldades de decifrar o enigma amazônico?
J.M. – A Amazônia já não é um enigma. Talvez seja a região mais estudada no planeta. As lições recolhidas neste convívio mais próximo com os seus avanços e retrocessos não diferem do que outros estudiosos já recolheram. Ficou mais evidente que o pioneirismo empresarial não foi privilégio das regiões mais desenvolvidas. Na Amazônia, além de Samuel Benchimol e de outros personagens pesquisados, há que se considerar o papel das empresas competitivas ali sediadas e cujas ações de sustentabilidade são reconhecidas. Mas, o pioneirismo e o empreendedorismo, sendo pontos de partida na saga do desenvolvimento, não são fatores únicos e determinantes de ganhos sociais. Apesar das novas tecnologias disponíveis, as perdas têm proporções dramáticas na Amazônia. A carência de saneamento revela-se de forma devastadora nas cidades ribeirinhas. Tendo os sucessivos governos falhado em suas políticas públicas, cabe excluir esse tema das discussões ideológicas e vê-lo sob o prisma social, levando em conta uma regulação tarifária justa e benefícios prioritários às áreas mais carentes.
6. A.L. – A ZFM mostrou seus impactos, efetividade e oportunidades em recente estudo da FGV. Como adensar esta modelagem de desenvolvimento na direção da Bioeconomia e Serviços Ambientais.
J.M. – Além dos estudos realizados e propostas veiculadas, uma das possibilidades é criar instrumentos para promover o acesso às Obrigações Verdes (Green Bonds) que financiam projetos sustentáveis de longa maturação relativos à energias renováveis, à agricultura de baixo carbono e à infraestrutura sustentável. Para isso, deveriam ser implementadas as recomendações do Grupo-Tarefa que trata da Divulgação de Demonstrativos Financeiros relacionados ao clima (FSB) e à plena implementação pelos bancos das Resoluções CMN 4327/2014 e 4.557/2017, que se referem à modelagem dos riscos socioambientais. Em complemento, além de promover a cultura empreendedora local, cabe nesta ocasião lembrar o clássico estudo realizado pela cientista Berta Becker. Em síntese, ela propôs: “Para reverter o atual padrão predatório de uso do território, concebendo e implementando um novo modelo de desenvolvimento, é necessário recorrer à Ciência, Tecnologia & Inovação. Inovação não só em processos e produtos, mas também no quadro institucional e na regionalização”. Neste sentido, valorizar as conquistas e almejar novos horizontes é tarefa dos pioneiros empreendedores. Para apoiá-los cabe viabilizar novas linhas de financiamento, remover prontamente os obstáculos que elevam demasiadamente os custos, consomem o tempo e acentuam os riscos, o que inibe a aposta na prosperidade.
Jacques Marcovitch é professor sênior da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP), da qual foi reitor (1997-2001). Integra o Conselho Deliberativo do Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID), em Genebra.
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