Com expectativa de vida que supera os 500 anos, castanheiras figuram lista de espécies vulneráveis à extinção
A trabalhadora rural Leide Aquino, de 53 anos, cresceu quebrando castanha. “Aqui a gente aprende a ser quebradeira assim que tem força para segurar o facão”, diz. Nas contas dela, o esforço vale a pena. “Você tem de andar dentro da mata e carregar bastante peso, mas, para nós, a safra da castanha sempre significou um período em que todo mundo tem dinheiro no bolso.”
Moradora da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre, uma área de 970.570 hectares, pioneira no conceito de unidade de conservação de uso sustentável, Leide testemunha o avanço da derrubada dos castanhais no entorno. A criação bovina prospera ao longo dos 187 quilômetros de estradas que ligam Rio Branco a Xapuri, município onde ela vive.
No lugar da floresta, o que se vê até o horizonte é tudo gado e pasto. Exceto por algumas árvores solitárias aqui e acolá: são as castanheiras, uma das espécies mais imponentes – e também mais vulneráveis – da Amazônia.
O engenheiro florestal Flúvio Mascarenhas explica a paisagem: “Nenhum fazendeiro da região corta a castanheira porque ela é protegida por lei, mas a supressão da mata ao seu redor fará com que ela morra isolada. O que vemos nesses locais são verdadeiros cemitérios de árvores”.
50 metros e 500 anos
O cenário de desmatamento só termina quando esbarra na placa que indica o início da Resex, de onde sai boa parte da castanha consumida pelo mundo.
“Uma castanheira no seu hábitat natural tem um aspecto totalmente diferente. Ela começa a produzir com oito anos e pode seguir assim por séculos. Mas, quando está ilhada no campo, a castanheira fica inalcançável aos polinizadores, que utilizam os substratos da flora associada como escada”, explica Flúvio, gestor da reserva.
De nome científico Bertholletia excelsa, a castanheira pode alcançar 50 metros de altura e até 5 de diâmetro. Sustentados por um tronco reto de casca acinzentada, seus galhos ficam no topo, onde frutificam os ouriços, que podem pesar 2 quilos e abrigar de oito a 24 sementes – as tão apreciadas castanhas, ricas em fibras, selênio e vitaminas.
Com expectativa de vida que supera os 500 anos, as castanheiras figuram na lista de espécies vulneráveis à extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). A iminência do desaparecimento é referendada pelo Ministério do Meio Ambiente.
Conservação
O risco à castanha preocupa os extrativistas. “Eu temo que a castanha falte. Em 40 e poucos anos, eu nunca vi ter a baixa que ela teve agora. A gente, aqui na comunidade, já chegou a quebrar 1.000 latas de castanha por safra e hoje não passa de 700. O que eu acho é que o clima mudou, as chuvas estão outras e todas as nossas datas de coleta foram alteradas, não só da castanha”, argumenta Severino da Silva Brito, de 62 anos, que morou a vida toda no território onde desde 1990 fica a Resex.
Ele conta que, desde que a borracha brasileira entrou em queda livre no mercado internacional, a castanha se tornou a principal fonte de renda na floresta. “A gente tem o jatobá, a copaíba, o açaí, mas isso é uma coisa mínima. Desde que paramos de tirar a seringa, é a castanha que garante nosso sustento”, pontua. “Estamos em alerta, pois são os produtos florestais que nos mantêm aqui e, por outro lado, somos nós que mantemos a floresta em pé”, complementa Leide.
Embora a reserva sofra com as pressões do agronegócio, ela ainda representa uma barreira, salienta Flúvio. “A Resex está numa posição estratégica do final do arco do desmatamento, que vem desde o Pará e finaliza nela. Junto com o desmatamento, vem toda uma ideia de progresso que está trazendo mudanças culturais para as comunidades tradicionais. A criação de gado é uma delas, pois seduz pelo retorno financeiro imediato”, diz.
Seu Silva acompanha de perto essas transformações. “Nossos produtos estão perdendo valor. Se não consigo vender as coisas da floresta, eu vou ter de dar um jeito de sobreviver. A pecuária dá muito dinheiro e está entrando na reserva. A gente sabe que não existe multa nem lei que faça uma pessoa não destruir se ela não tem outro recurso, pois ela está lutando para viver. Nós precisamos de apoio para continuar aqui na floresta com nosso trabalho”, diz.
Embora seja conhecida país afora como castanha-do-pará, o Estado que mais produz é o Acre. No ranking mundial, quem lidera é a Bolívia. No Brasil, o maior volume de castanha beneficiada sai dos galpões da Cooperacre, uma central de cooperativas criada em 2001 que absorve 50% das sementes coletadas pelos extrativistas.
“Estamos falando de 5 a 8 milhões de quilos de castanha por ano. Porém, esta última safra foi muito pequena, e nós adquirimos apenas 2,5 milhões de quilos de castanha in natura, pagando em média R$ 5,90 o quilo. O produto vem com casca de comunidades localizadas em 14 municípios e sai daqui beneficiado e embalado a vácuo”, calcula Manoel Monteiro, superintendente da entidade.
Extrativismo
Filho de seringueiros, Manoel conhece bem a realidade da floresta. “A Cooperacre é resultado da luta dos extrativistas. Antes, toda a produção ficava na mão do atravessador e era ele que dava o preço. Hoje, a Cooperacre é uma garantia de compra do produto. Nós buscamos a castanha nas comunidades e ela é vendida com certificação orgânica para todo o Brasil e também para países europeus, árabes, Estados Unidos e Rússia.”
Na avaliação do engenheiro florestal Flúvio Mascarenhas, valorizar o extrativista é o caminho para garantir o futuro. “Estamos falando da maior faixa de floresta tropical do mundo. É preciso considerar os serviços ambientais que essas populações prestam ao cuidar da Amazônia. Isso tem reflexo não apenas para quem vive no meio rural, mas também para quem mora na cidade. É a Amazônia que guia as chuvas pelo mapa. Isso sem falar na polinização e na regulação do clima, entre tantos outros benefícios que ela gera”, defende.
Além disso, pontua Flúvio, os produtos da floresta têm grande relevância econômica. Em 2018, a castanha foi o principal produto exportado pelo Acre, de acordo com o Fórum Permanente de Desenvolvimento do Estado.
“Não foi o gado, nem a madeira, nem a soja. Foi o fruto do extrativismo que trouxe dinheiro para cá, e isso comprova que nossa vocação para o desenvolvimento está ligada à proteção da biodiversidade”, diz ele.
Fonte: Globo Rural
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