Por Luiz Frederico Oliveira de Aguiar
Dois grandes professores, Dra. Marilêne Correa (UFAM) e Dr. Odenei Ribeiro (UFAM), dos quais eu pude ser aluno no Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, ensinaram-me duas coisas muito importantes. A primeira, me ensinou que é impossível entender a Amazônia, sem compreender as mudanças globais ocorridas ao longo da sua historia e, o segundo me ensinou que o contexto é fundamental na análise de qualquer coisa. Por isso, para que se compreenda o processo de industrialização da Amazônia Brasileira, é fundamental entender a história e o contexto que em que o processo de industrialização ocorreu por essa região.
Desde que os primeiros exploradores europeus “descobriram” a Amazônia, pode-se destacar três grandes “fases” ou “ciclos” econômicos na hinterland.
- A Fase da Especiarias ou Drogas do Sertão; (Séc. XVII e XVIII)
- A Fase ou Ciclo da Borracha; (Séc. XVIII e XIX)
- A Zona Franca de Manaus. (Séc. XX e XXI)
A primeira fase, caracterizou-se pelas exploração de espécies vegetais de maior expressão econômica na época, tais como a balata, o breu, a castanha, o caucho, a estopa, a maçaranduba, o pau-rosa, a piaçava, o puxuri, a salsaparrilha e a ucuquirana. Na extração animal o produto mais explorado foi o pirarucu, as manteigas de tartaruga, de peixe-boi e os couros silvestres. Como esses produtos não eram suficientes para recompensar os gastos com a conquista da Amazônia, Marquês de Pombal ordenou que dessem início ao cultivo de especiarias mais exóticas como a pimenta-do-reino, o tabaco, o café e o cacau.
No entanto, a economia da região só teve realmente o seu “boom” na chamada “Era da Borracha”, extraída principalmente da Hevea Brasiliensis que trouxe incremento às finanças e intensificou a migração para a Amazônia, especialmente para a Capitania de São José do Rio Negro, cujo poder econômico levou o Império a criar a Província do Amazonas, em 1850. Este período de prosperidade econômica transformou a sua capital Manaus e convencionou-se chamar de “Belle Époque” que compreende o espaço de tempo entre 1880 e 1920.
Manaus foi uma das primeiras cidades do país a ter energia elétrica, viação urbana, bombeamento de água e iluminação pública e particular oferecidos pela Manaós Electric Light Plant, a capital amazonense também tinha um porto flutuante (roadway), inaugurado em 1903, importado e administrado pela Manaós Harbour Limited e um sistema de transporte realizado por bondes da empresa Manaós Railway Company.
No entanto, esse período de crescimento não teve sustentação por muito tempo, especialmente após o Sir Henry Alexander Wickham conseguir enviar amostras de sementes para o Jardim de Kew (Kew Gardens) de Londres. Logo, iniciou-se uma plantação de seringueiras no Ceilão e na Malásia que destruíram a produção brasileira ao mesmo tempo em que levaram a Amazônia ao seu pior período econômico.
Apesar de tudo isso, houve um série de iniciativas para resgatar a produção de borracha que acabaram não obtendo tanto sucesso. O Brasil só começou a “pensar alternativas econômicas” para a Amazônia após a segunda guerra mundial quando o país começou a sofrer com a escassez de produtos industrializados e o aumento de preços dos produtos importados que pressionavam a economia nacional. Tal alternativa teve muita influência dos intelectuais (Raúl Prebish e Celso Furtado) da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL criada em 1948, alicerçado no chamado processo de substituição de importações.
Tal influência da CEPAL foi fundamental para o início do Plano de Industrias de Base do Governo Getúlio Vargas que alicerçaram os fundamentos para a criação de demais industrias no país. Além disso, no mesmo período histórico, houve a criação do Plano de Valorização Econômica da Amazônia estabelecido pelo Art. 199 da Constituição Federal de 1946 e da Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA – 1953.
Já durante o Governo de Juscelino Kubitschek – JK há a criação de uma Zona Franca na cidade de Manaus, por meio da Lei n° 3.173 de 1957, de iniciativa do Deputado Federal Francisco Pereira da Silva (que trabalhara no SPVEA) e estabelecia:
“Art. 1º – É criada em Manaus, capital do Estado do Amazonas, uma zona franca para armazenamento ou depósito, guarda, conservação beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza, provenientes do estrangeiro e destinados ao consumo interno da Amazônia, como dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do rio Amazonas.”
Em seu discurso de apresentação da Lei à Câmara dos Deputados, em 23 de outubro de 1951, o parlamentar do Amazonas justificava a iniciativa da seguinte forma:
…”das dificuldades geográficas do meio e da solidariedade continental que tem sido a linha dominante de nossa política internacional… com ela melhoraremos as condições de abastecimento de toda a bacia amazônica e faremos às repúblicas limítrofes um memorável gesto de boa vizinhança”.
A lei teve muito pouca influência na economia do Estado do Amazonas, pois o Governo Federal manteve uma estrutura muito pequena, localizada em um armazém no porto de Manaus.
Em 1966 o presidente general – Humberto de Alencar Castelo Branco designou o seu Ministro do Planejamento – Roberto Campos – a responsabilidade de elaborar um plano que consolidasse as principais “políticas para a Amazônia”. Com isso, houve a transformação do SPVEA em SUDAM, do Banco de Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia e a reformulação da Zona Franca de Manaus. Quanto à Zona Franca de Manaus, transformou-se no modelo prático do processo de substituição de importações, sendo um pólo industrial voltado totalmente para o mercado nacional. O Decreto-Lei n° 288 de 28 de fevereiro de 1967, reformulou a Zona Franca de Manaus, estabelecendo incentivos fiscais para a implementação de três centros de desenvolvimento (Comercial, Industrial e Agropecuário).
Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.
O mesmo decreto cria a autarquia responsável por administrar a Zona Franca de Manaus, a SUFRAMA:
Art 10. A administração das instalações e serviços da Zona Franca será exercida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) entidade autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, com sede e fôro na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.
Após a criação da Zona Franca de Manaus e da SUFRAMA, em 1967, estabeleceu-se na capital do Amazonas um Pólo Industrial com empresas globais com a Honda, a Samsung, a Harvey-Davidson, a BMW, a Yamaha, a P&G, a BIC entre outras empresas. Hoje, o Pólo Industrial de Manaus abriga mais de 450 industrias e, em 2019, foi a 8° cidade com maior PIB do país. Isso demonstra a força da politica pública criada na década de 1960 e que permanece forte em 2020, quase 70 anos depois.
Por tudo isso, eu sou um grande defensor do projeto de desenvolvimento Zona Franca de Manaus.
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