Estevão Vicente Cavalcante Monteiro de Paula – PhD(*)
Ao refletir sobre os rumos de desenvolvimento da Bioeconomia do Estado, vem à mente uma passagem do livro “Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino, uma obra que sugere um olhar mais profundo que as linhas e as formas da arquitetura. Marco Polo, o coletor do rei, passava em todas as cidades para angariar os impostos e, quando encontrava Kublain Kan, descrevia para ele como eram as cidades. Num dos encontros, descreveu ao rei uma ponte enfatizando o formato das pedras, uma a uma.
O rei pergunta qual é a pedra que sustenta a ponte. O coletor respondeu que não é uma pedra, mas é a linha do arco que as pedras formam que a sustenta. Então Kublai Kan questionou: “… por que então falas sobre as pedras se é o arco que importa?”
Habilmente, Marco Polo argumentou que sem pedra não há arco. Assim como a linha do arco sustenta a ponte, é necessário estabelecer o formato de gestão de todos os atores (as pedras) para que a Bioeconomia seja sustentável sob todos os pontos de vista: econômico, social e ambiental.
Inteligência gerencial
É necessário que se tenha uma inteligência de gestão da Bioeconomia no Estado. Ou seja, um elemento catalizador que identifique as oportunidades e articule com os atores que possam aproveitar-se dessas oportunidades abordando com segurança toda a complexidade que envolve o processo de produção.
E mais do que isso: as negociações de produtos da natureza, devidamente regulamentados pelas normas e leis brasileiras. Não adianta pensar que, com o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) em funcionamento, por exemplo, será vencida a inércia desse ativo natural considerado como tábua da salvação da economia amazonense.
Reinvenção radical
É preciso que todos estejam atentos e se disponham a se reinventar. O Estado em primeiro lugar, com a criação de uma unidade de fomento e comercialização para promover e apoiar iniciativas legítimas e importantes para Bioeconomia. Isso implica em remover a costumeira forma paternalistas com que são tratados alguns investidores/empreendedores principalmente do interior do Estado.
O desafio dessa reinvenção é muito mais complicado do que se pode imaginar. Algumas secretarias do Estado, provavelmente as de maior importância, deveriam sofrer um processo de reengenharia funcional, dando lugar para outros formatos, com propósitos similares, mas com funções bem diferenciadas, dentro da nova cultura de negócios, com nomenclatura e funcionários diferentes.
Cultura empreendedora
Não se trata de incompetência, negligência ou outro problema com o servidor atual; mas, a cultura organizacional consolidada ao longo de anos de sua operação manterá, ainda que inadvertidamente, uma relação com o empreendedor e com setores de segmentos econômicos inadequada ao tempo em que se quer de forma definitiva, partir para novos horizontes econômico com distribuição de riquezas em formatos racionais e efetivos entre os municípios do Estado do Amazonas.
Sistemas de inovação
Ao mesmo tempo, precisa ser formulada uma política de espacialização da economia do Estado com base nas potencialidades locais e demandas tecnológicas indispensáveis para construção de sistemas locais de inovação Para a consolidação de um sistema local de inovação é necessário a compreensão tácita da cadeia produtiva com o estabelecimento das relações dos elementos que fazem parte desta cadeia identificando com precisão o conjunto de etapas que passam na produção de um determinado bioproduto.
Cadeia do conhecimento
A partir disso, deve-se identificar a cadeia de conhecimento observando as atividades de C&T que permitam que o bioproduto seja disponibilizado no mercado. Portanto, a participação da ciência e tecnologia torna-se fundamental para o sucesso de uma empreitada deste porte. Isso envolve uma gama de atividades de C&T que vai desde a produção do insumo, seu beneficiamento e comercialização.
Bases científicas e sociais
Adotar fortes bases científicas e tecnológicas não devem se restringir somente ao conhecimento relacionado à produção do insumo, mas no marketing, design, distribuição e sustentabilidade dentre outros.
A ampliação e o fortalecimento das inteligências locais são prementes para que o Estado alcance sua sustentabilidade econômica com base nos bioprodutos da natureza.
Isto deverá se refletir inclusive nas políticas de ensino das instituições locais com adequação de seus planos de cursos as demandas de conhecimento locais.
A academia e instituições de pesquisas locais também devem-se reinventar. O processo de produção de conhecimento deve ser multidisciplinar com temas identificados em conjuntos com os segmentos governamental e industrial para que se tenham resultados de pesquisas e ensino robustos e com maior rapidez possível.
Negócios em profusão
Isso não dispensa pesquisa básica direcionada, assim como desenvolvimento tecnológico de produtos. É preciso preencher os vazios das cadeias de conhecimento atualmente existentes em alguns produtos já conhecidos e com potencial mercadológico.
Dentro de inúmeros exemplos, pode-se falar que não adianta saber somente do potencial da qualidade de camu-camu, cubio e outros produtos já conhecidos no mercado se suas plantas não foram domesticadas para garantir um suprimento constante ao mercado. Sem conseguir aumentar o tempo de prateleira do fabuloso abacaxi produzido no Amazonas não se conquistará com facilidade outros mercados.
Qualificação de recursos humanos
Ampliar e fortalecer os programas de capacitação são de extrema importância para atualizar e direcionar profissionais às demandas tecnológicas que possam contribuir com a redução dos vazios existentes na cadeia de conhecimento. Por exemplo, se o Estado quer contribuir com a implantação de indústria 4.0 ou com aumento da produção de laranjas, o Estado deve contribuir com a academia em formar ou atualizar profissionais em banco de dados, internet das coisas ou manejo de solo etc, respectivamente. Eis por que se inclui a necessidade de formar o empreendedor.
Interiorização do desenvolvimento
É comum falar que o brasileiro é inovador e empreendedor por natureza. Bom, salvando-se algumas exceções, pode-se dizer: o brasileiro tem feito, de fato, uma “diligência” de sobrevivência.
Precisando ter recursos para sua sustentação, parte para iniciativa que até oferecem um relativo sucesso, mas poucos têm sensibilidade econômica, iniciativas para ampliação de sua atividade e visão de futuro. Essa reflexão sobre o biodesafio não se encerra somente nos pontos levantados. Existem outros não menos importantes que serão abordados em momentos mais oportunos. Mas certamente, o Estado deve ter uma inteligência de gestão de Bioeconomia com formato adequado para que os conjuntos de atores sejam habilmente vinculados de forma que seja construída uma ponte segura que viabilize a melhoria da economia regional.
(*) Estevão é Professor titular da UEA, coordenador da área de Tecnologia do INCT – Madeiras da Amazônia, Universidade do Tenesse e USP São Carlos.
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