“Afinal, temos mais vantagens mantendo a floresta em pé e mantendo suas riquezas do banco genético do que derrubar a mata, e plantar soja e criar boi.”
Nelson Azevedo(*)
O saudoso Gilberto Mestrinho costumava dizer que os satélites do primeiro mundo não sabiam a diferença entre queimada e neblina, essas nuvens que amanhecem na Amazônia que resultam da umidade intensa que existe na floresta. A frase, com certeza, visava ilustrar a ironia do Boto com relação aos especialistas sobre a nossa terra que aparecem mais intensamente quando algo acontece em nossa região. Nós, que aqui nascemos, e trabalhamos desde a infância para ajudar nossos pais na roça da subsistência, ficamos sem entender a frenética manifestação global. O que está por trás de tudo isso? Vamos investigar.
Somos os despoluidores da Terra
A primeira dedução é com relação ao verdadeiro e sincero espírito dessa “preocupação” que aqui iremos colocar propositalmente entre aspas. Por que esses países, que nos atacam frequentemente, não ajudam a dar instrumentos, condições e opções para nossa gente que habita esse fim de mundo sem fim chamado Amazônia? Ora, eles destruíram suas florestas e agora precisam da nossa para absorver a emissão dos gases do efeito estufa, especialmente do carbono, que a Amazônia sequestra da atmosfera e o transforma em madeira. Pois é, nossa floresta guarda 20 bilhões de toneladas de carbono, segundo os cientistas. Ou seja, somos os despoluidores da Terra e ajudamos o mundo a respirar melhor, então, que paguem por isso.
Há algo de injusto…
O Brasil, na região Sudeste, utiliza toda a energia produzida por nossas hidrelétricas, e não devolve um centavo para nossa população. Nosso Amazonas, quase a metade, ainda depende de energia das termelétricas, usinas que queimam óleo diesel, onde muitas regiões precisam gastar quatro litros para levar um, tal a distância dentro de um Estado onde cabem integralmente os países que formam a Europa Ocidental, com mais de 95% de sua cobertura original intocada. Por que temos que oferecer gratuitamente tantas toneladas de oxigênio e tantas nuvens carregadas de H2O, de água, o precioso líquido que abastecem os reservatórios do Sudeste. Tem algo de muito injusto nessa história.
Coivara, a queimada fecunda
Pois bem… toda a vida, desde a descoberta do fogo e a invenção da agricultura, nesta época do ano, preparamos a terra para o plantio das culturas de subsistência: mandioca, milho, feijão, hortaliças e as fibras trazidas pela presença japonesa, após a queda do Ciclo da Borracha. E, seguindo a tradição indígena, fazemos a coivara, a queima do terreno a ser adubado pela fecundidade das cinzas. Além disso, as altas temperaturas do verão amazônico geram faíscas e provocam incêndios: aqui, no Pantanal, na África, na Europa e nos Estados Unidos. Nenhuma novidade. E essas áreas se recompõem rapidamente.
Incêndios criminosos
Existem, porém, como em qualquer lugar, também o incêndio criminoso, no caso da Amazônia, para fazer pastagem. Por isso, temos que acionar a vigilância florestal para impedir ou penalizar o crime. Afinal, temos mais vantagens mantendo a floresta em pé e mantendo suas riquezas do banco genético do que derrubar a mata, e plantar soja e criar boi. Para isso, temos as áreas já degradadas que precisam ser aproveitadas com tecnologia já consolidada pela Embrapa.
Os dedos da depredação
Apontar a Amazônia com o dedo da acusação inconsequente significa esconder os três dedos da depredação dos países centrais, ou de seus políticos, que vestem a fachada eleitoreira da sustentabilidade usando supostas irresponsabilidades do Brasil, o país campeão mundial em proteção florestal. Por isso, devemos apreender a ler nas entrelinhas do sensacionalismo e dizer que, mais do que ninguém, nós sabemos fazer o dever de casa.
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