Paulo R. Haddad*
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“A questão distributiva da renda e da riqueza é histórica e estrutural, tendo se agravado, contudo, no atual período de recessão econômica, com maior intensidade a partir de 2014”.
Quem sobe pela Avenida Nossa Senhora do Carmo verá do lado esquerdo o Bairro Belvedere, o mais rico de Belo Horizonte, com a maior renda mensal média entre os moradores. E, do lado oposto, a comunidade do Morro do Papagaio, onde moram quase 20.000 habitantes em precárias condições de vida, semelhantes às de alguns países pobres da África. Enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU no Belvedere é equivalente ao da Suíça e ao da Noruega, o IDH do Morro do Papagaio é equivalente ao do Marrocos e ao de Cabo Verde.
Como as duas áreas estão em regiões montanhosas, muitas vezes as pessoas não percebem com clareza que, em termos abstratos, alguns trechos da avenida por onde passam podem simbolizar a linha de pobreza de uma sociedade dividida entre os muitos ricos e os muito pobres. Se essa percepção não é evidente para o cidadão comum, certamente isso não acontecerá com as imagens que foram gestadas pela atual pandemia, que expõe a vulnerabilidade da saúde da população mais pobre à contaminação do novo coronavírus.
A ampliação da pobreza
Essa realidade socioeconômica tem muito a ver com a distribuição da renda e da riqueza financeira e não financeira no País. A questão distributiva da renda e da riqueza é histórica e estrutural, tendo se agravado, contudo, no atual período de recessão econômica, com maior intensidade a partir de 2014.
Os impactos da crise econômica de 2014 a 2018 foram muito profundos sobre as desigualdades sociais no Brasil. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, hoje temos mais de 24 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, equivalente a 11,2% da nossa população, com um aumento de 33% entre o final de 2014 e o final deu 2017, o que significa um número absoluto maior do que a população total do Chile. A miséria aumentou nos últimos quatro anos: são 6,3 milhões de novos pobres.
Reprodução das desigualdades
Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia em 2015, mostra que essas desigualdades se reproduzem nos sistemas de saúde em muitas das grandes cidades dos países em desenvolvimento, onde “as facilidades médicas do estado da arte do Primeiro Mundo tratam os ricos e os poderosos, muitas vezes à vista de pessoas cujo ambiente de saúde não é muito melhor do que o da Europa no século XVII”
Ele adverte que a saúde não é apenas um tema sobre viver e morrer, mas sobre como pessoas com saúde estão enquanto vivas. Na era da globalização, desigualdades internacionais na longevidade estão diminuindo.
A evolução do desalento
A longevidade não é o único componente da saúde que é importante; entre os indicadores complementares da esperança de vida ao nascer, destaca-se a altura humana como um indicador sensível do peso da subnutrição e da doença, especialmente para as crianças. Observa que a maioria dos povos do Mundo está ficando mais alta, mas que o progresso é lento; no ritmo atual, serão duzentos anos para que o habitante da Índia venha a ter a altura de um habitante atual da Inglaterra.
O contexto atual do nosso País, onde a pandemia é avassaladora entre os mais pobres nas periferias das nossas grandes cidades, acaba por criar uma situação de desalento entre os brasileiros desempregados, subempregados na informalidade, sem oportunidades e sem esperança. Como dizia John Steinbeck: “Uma alma triste pode te matar mais rapidamente do que um germe”.
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