Foto:Arthur Lopes
Alfredo M.R. Lopes (*) [email protected]
Na Grécia antiga, os sofistas se destacaram por recorrer à Filosofia para desenvolver a falácia, um raciocínio capcioso para induzir o interlocutor ao engano. Esta artimanha filosófica se vale de um silogismo aparente usado para defender algo falso e confundir o contraditor. Platão recomendava manter a vigilância para não confundir sofisma, o silogismo aparente, com os paralogismos que decorrem da ignorância, enquanto a sofística é vetor de má-fé. Aos sofistas não interessa esclarecer, apenas doutrinar e impor seus dogmas.
Premissas do engodo
A reflexão se depreende dos constantes ataques que costumam ser desferidos pela mídia de aluguel que se recusa a debater ou reconhecer a legitimidade da economia baseada em contrapartida fiscal. Um dos parâmetros desta falácia é parear a Zona Franca de Manaus com o Simples: as duas das principais formas mais atacadas de custos tributários do governo federal. O Simples, porém, segundo as premissas desse engodo, beneficia muito mais trabalhadores do que a ZFM. Esse cálculo desonesto se baseia nos estudos do Senado Federal às vésperas da prorrogação dos incentivos em 2014, hoje baseados em 8%, 8,5% dos gastos tributários do Brasil. Esse percentual é administrado pela Suframa com graus elevados de excelência gerencial.
Escondendo o essencial
Como o biquíni, a Estatística é uma área do conhecimento que mostra quase tudo para esconder o essencial. No Congresso, no Palácio da Alvorada ou na Corte Suprema, as estatísticas são usadas nos momentos em que é preciso demonstrar aquilo que o jogo politico do momento prioriza. Na contabilidade do tal sofisma, cada emprego gerado pela Zona Franca nas fábricas de Manaus custa impressionantes R$ 250 mil em renúncia fiscal ao ano. Em comparação, esse valor é de R$ 2.800 no caso do Simples. A partir dessa premissa falaciosa, a conclusão é a mesma que recomenda e insiste no repensar da Zona Franca de Manaus com o objetivo de assegurar sua extinção.
Embargo de gaveta
Este é um jogo de cartas marcadas, que emerge em clima de turbulências ou de aparente calma, a dos pântanos. Basta conferir o boicote articulado por interesses inominados para protelar a liberação do PPB, na burocracia federal, o ritual que (des) autoriza o manual de instrução do processo produtivo para as empresas usufruírem de benefícios fiscais da ZFM. Um boicote sombrio, de servidores de terceiro escalão, que se consideram mais real que o Rei e mais legal que a Lei e estão a serviço sabe-se lá de quem. Merece aplausos a intervenção do titular da Suframa, Alfredo Menezes, ao pressionar os ministérios de Ciência e Tecnologia e Economia para que a Lei fosse respeitada.
Dados eloquentes da Receita
Os dados da Receita Federal sobre a renúncia fiscal do país são eloquentes e contundentes. Por região geográfica, na Amazônia, 2/3 do território nacional, com todos os incentivos regionais, onde há mais necessidade de investimento para aliviar as disparidades econômicas do país, a renúncia fiscal em 2012, foi de 17,9%, equivalente a R$ 26,02 bilhões. Em 2019, numa tendência de queda, foi de 8,5%. No Sudeste, o ralo da renúncia consumiu em R$ 70,65 bilhões naquele ano de 2012. Em 2019, o usufruto do Sudeste foi de 54,4% do bolo fiscal. Ou seja, o Sudeste consumiu mais de R$ 150 bilhões, representando 2,6% do PIB, com destaque para São Paulo, o estado mais rico do Brasil.
A pobreza voltou a subir na Amazônia e Nordeste
“Entre os 500 municípios menos desenvolvidos do Brasil, 68% estão no Nordeste e 28% no Norte. Os estados da Bahia (34%), Maranhão (20%) e Pará (13%) tiveram a maior quantidade de representantes. A região Sudeste tem apenas 2,6% dos municípios na lista dos piores, o Centro-Oeste,1% e o Sul, nenhum.” Os dados foram recolhidos no Portal da Receita pela Gazeta do Povo- RS. A mesma disparidade se constata na distribuição de verbas do BNDES para manter os atuais patamares de desigualdade regional. É o mesmo BNDES que, há mais de 11 anos, embroma a distribuição dos recursos do Fundo Amazônia, constituído em 2008, com o objetivo de captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento, promoção da conservação e do uso sustentável das florestas no Bioma Amazônia.
Postos de trabalho
O raciocínio de combate à Zona Franca alega sustentação nos Indicadores de Desempenho do Polo Industrial de Manaus (PIM), para afirmar que a mão-de-obra ocupada efetiva de 80 mil pessoas, em agosto último, custa R$ 250 mil/por emprego, para a renúncia fiscal envolvida. O sofisma não considera a cadeia de produção, distribuição e comércio por todo território nacional, marca que supera os 2 milhões de postos de trabalho. E por que a Suframa não promove mais atividades econômicas com geração de emprego? A resposta é simples: mais da metade da riqueza obtida a partir de Manaus se destina aos cofres federais. Justamente a riqueza que deveria diminuir as escandalosas desigualdades regionais.
Baú da felicidade fiscal do Brasil
falácia do montante da renúncia fiscal dividido pelo número de empregos ignora a história, o alcance e a efetividade dos benefícios da ZFM. E omite que não há custeio público na ZFM, há renúncia, onde o governo deixa escapar por um lado sua compulsão arrecadatória e ganha por outro, fazendo da renúncia medida compensatória aos próprios cofres, numa operação fácil e tecnicamente demonstrável. Parece não interessar que Manaus sozinha na demonstração do silogismo, comparece com 50% dos impostos recolhidos pela União na Região Norte.
Discurso raivoso e infundado
O Amazonas é um dos 8 estados da federação que mais recolhe do que recebe recursos. A exportação de recursos para União Federal arrecadou em 2018 R$ 14,5 bilhões e recebeu de volta menos de R$4 bilhões, uma informação que escapa aos desafetos da ZFM. As empresas só passam a usufruir dos benefícios fiscais a partir do momento em que seus produtos entram no mercado. A Zona Franca é de Manaus, mas ela atua em toda a Amazônia Ocidental e inclui Amapá-Santana, área em que são aplicados os incentivos da sigla ZFM. E que R$ 18 bilhões são arrecadados em forma de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). A rigor , a renúncia fiscal real seria de apenas R$ 6 bilhões. A ZFM não beneficia só o Amazonas, mas o Brasil, os brasileiros que consomem os produtos fabricados aqui. Portanto, é preciso rever o discurso raivoso da renúncia, e olhar de outro prisma a paranoia da difamação.
A quem interessa?
E se as empresas aqui instaladas, comprovadamente arrecadam menos que em outros arranjos industriais do país, elas patrocinam duas vezes o orçamento da UEA, no fundo criado para sua manutenção, pagam os programas regionais de Pesquisa e Desenvolvimento e os fundos estaduais de turismo e fomento municipal, que permitiram, por exemplo, financiar os projetos de cadeias produtivas no interior. São mais de R$ 2,3 bilhões de investimentos, entre P&D, Universidade, turismo e programas de agroindústria para população ribeirinha. É, pois, nesse contexto, que inclui a guarda do bioma amazônico, irrisório, muito discreto o peso da tal renúncia. Por tudo isso e a partir dessas premissas objetivas, cabe indagar: a quem interessa a demonstração de tantas falácias e sofismas sobre a economia regional partir do Amazonas?
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta
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