Para o pensamento fluir, precisamos evitar a qualquer custo o maniqueísmo que separa Deus e o diabo na civilização da mandioca, tubérculo consagrado como a base de sobrevivência alimentar da Amazônia. Armadilhas das mais insidiosas, inventado pelos cristãos persas, Maniqueu à frente, no século III d.C, divide perigosamente o mundo entre os do bem e os do mal, onde o a matéria representa a degeneração da realidade e o espírito seu aperfeiçoamento. Por sua eficácia e compreensão plena, tanto entre os excluídos de escolaridade, como pelos detentores da esperteza do poder, a disputa se resume em alinhavar os itens do que significa o bem, para que seus atores possam demonizar os demais. Simples assim.
Parodiando um filósofo francês – não alinhado com o presidente Emanuel (Deus conosco?) Mácron – Jean Paul Sartre, na trilogia literária da Idade da Razão, “O inferno são os outros”, podemos especular sobre os riscos das intervenções na floresta e das opiniões infundadas que sobre nós abundam. E o que tem a ver, por exemplo, as queimadas da Amazônia – com Maniqueu, Mácron e Mathieu, o personagem Sartreano escalado para a narrativa do Existencialismo, propondo a revolução dos costumes no Século XX – do ponto de vista da quantidade de carvão que as queimadas geram? Eis uma curiosa questão para os visitantes ministeriais da floresta, na Semana da Amazônia – decifrarem a partir do axioma platônico segundo o qual as aparências enganam.
O carvão do bem
As queimadas naturalmente existem por um conjunto de fenômenos climáticos, por isso, a cada ano, ocorrem na África, Ásia e América do Sul, principalmente, embora a Califórnia, às vezes, entre no ranking da fumaça. Há alguns anos temos insistido que o carvão deixado pela presença milenar dos povos da Amazônia, a terra preta dos índios, bem deveria ser chamado de “ carvão do Bem”. É o bem da terra, da fertilidade e da mudança positiva na gestão climática, o pesadelo maior do planeta. Uma bioativo que decorre da coivara, a tecnologia de formação de adubo que propiciou a fertilidade e o sustento da presença humana na floresta. Trata-se de uma prática agrícola, com pelo menos 10 000 anos de domesticação da floresta, que converte resíduos agrícolas em fator de potencialização do solo, quando o carbono é associado a outros nutrientes para aumentar a segurança alimentar e enriquecer a biodiversidade e a produção de comida, fitoterápicos e cosméticos. De quebra, o uso do biocarvão desencoraja o desmatamento na medida em que adensa a floresta agregando valor ao seu manejo. É ou não é um bem no sentido absoluto dos ganhos que propicia?
Civilização da fartura
Trata-se de um carvão vegetal refinado, altamente poroso que ajuda a reter os nutrientes dos solos e da água, tanto das águas barrentas dos rios Solimões e do Madeira, como as escuras do Rio Negro e as transparentes como as do Rio Xingu. Todas elas foram berço de civilizações de fartura que habitaram a Amazônia onde existiam 8 milhões de índios antes da presença européia, segundo o pesquisador Charles Clement, orientador do reflorestador, Sergio Vergueiro, o plantador de 2 milhões de árvores de castanha e pupunha na floresta, Fazenda Agropecuária Aruanã, em Itacoatiara, Amazonas. Ali, a ocorrência das terras pretas já tinha mostrado ao Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que deveria ser erguida um Centro de Negócios agrossilvopastoris para receber a capital lusitana da Coroa Portuguesa. A ocorrência intensiva de castanha, açaí, uxi, buriti – as florestas dessas espécies não são naturais e sim plantadas, antes da chegada da cultura branca – foram possíveis graças a adoção do fogo para preparo da terra, limpeza das ervas daninhas. Estudo intensivo de solos escuros, ricos em biocarvão na Amazônia (terra preta), levou a uma apreciação mais ampla de suas propriedades para incrementar os agronegócios de modo sustentável.
Japoneses, índios e fertilizantes
Pesquisadores do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, consolidaram de laços de intercâmbio com universidades japonesas para prospecção/divulgação de trabalhos sobre terra preta, ou biocarvão, com o intuito de conhecer as técnicas de produção e uso desse extraordinário fertilizante no Japão e na Amazônia. Os japoneses têm o interesse de conhecer os trabalhos locais com diferentes espécies e diferentes temperaturas de carbonização. No Japão, o biocarvão é produzido em escala, com a mesma configuração química e nutricional da terra preta de seus descendentes amazônicos.
Hipocrisia francesa
Ecologia, economia, agronomia e agroindústria se entrelaçam em novos negócios, não para “salvar a Amazônia”, muito menos para invocar a hipocrisia dessa tese franco-demagógica e burra da intocabilidade da floresta. São 100 empresas que fabricam biocarvão no Japão, enquanto na Amazônia despejamos nos rios milhares de toneladas de resíduos na indústria de açaí. O Brasil e o próprio Estados Unidos começaram a divulgar há apenas cinco anos a sustentabilidade deste negócio. Isso não significa você sair desmatando e queimando na sequência obtusa do “Dia do Fogo”, sem técnica e com diabólica ganância. Significa aproveitar resíduos que estão sendo descartados, subutilizados, resíduos da produção florestal, resíduo da produção agrícola, de restos de animais, de dejetos de animais. Pesquisa focada, portanto, no desenvolvimento, para reposicionar e reaproveitar o manejo florestal, como os povos indolentes indígenas fazem há milênios, domesticando a floresta e reinventando permanentemente os parâmetros de relação saudável entre o Homem e a Natureza. Antes de ser Minister, precisa ser Magister, para entender, pa manejar, prosperar e partilhar a Amazônia.
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