Alfredo Lopes é filósofo e ensaísta
Alfredo Lopes •
Publicado em 27/08/19 às 15:56
Recentemente o presidente da República anunciou o projeto de instalação de um Centro de Referência Global em Bioeconomia, em Manaus. Ora, o Brasil não tem estrutura – a exceção de alguns Centros da Embrapa e de algumas universidades e Institutos – para levar isso adiante, não há antecedentes plausíveis – CBA, o lendário e hilário Centro de Biotecnologia da Amazônia é exemplo cabal. Por isso, o juramento costuma abandonar o empreendimento.
“Como dormir e sonhar/Quando a fumaça no ar/Arde nos olhos de quem pode ver”, diz o verso oportuno de Erasmo e Roberto Carlos, na canção Amazônia. A propósito, o Ministério Público Federal do Pará, mediante informações de uma revista de agronegócios, acionou a Polícia Federal para apurar o chamado “Dia do Fogo”, uma mobilização de conhecidos grileiros, fazendeiros e outros atores empenhados em pilhar terras da União, para promover queimadas na Região de Altamira, uma das áreas de maior conflito de terras no Estado do Pará. Segundo a mídia, esses promotores do “Dia do Fogo” teriam interpretado as declarações recentes da presidência da República como uma liberação informal de desmatamento e queimadas para ampliar o agronegócio na região, como ocorreu no Acre, há dois meses, onde as autoridades ambientais trocaram de lado em conflito agrário. Lembrando que Altamira é emblema de um conflito eterno e sanguinolento por questões agrárias, numa área integrante do Arco Norte, onde investimentos de R$ 5 bilhões públicos/privados construíram uma estrutura imponente de logística portuária e de transportes, desobstruindo as eternas filas de carreta nos portos do Sul-Sudeste na safra de grãos, sobretudo soja. Esses fatos estão na grande mídia, enquanto se travam guerras de dimensões estratosféricas nas redes sociais. O clima eleitoral não acaba nem fica pouco num país que se deixou de lado.
Qual é o projeto pra valer?
Bravatas, provocações, difamações e futricas ocupam o lugar das discussões consistentes sobre o Brasil que os eleitores querem ver empinar. Qual é o projeto, nesse contexto, para a Amazônia num país que está vendendo a mala por motivo de viagem. E não se aplica apenas a este governo essa questão memorial. Cabe resgatar as falas do ministro da Economia e do presidente da Republica no mês passado, na reunião do Conselho de Administração da Suframa, anunciando a instalação de um Centro de Referência Global em Bioeconomia, em Manaus. O Brasil não tem estrutura para levar isso adiante, não há antecedentes plausíveis – CBA, o lendário e hilário Centro de Biotecnologia da Amazônia é exemplo cabal. Cada governo que entra chama de seu o destino da instituição que, desde 1999, ano de lançamento de sua pedra fundamental, está “Esperando Godot”, o Teatro do Absurdo de Samuel Beckett.
Gestão, o gargalo atávico
Para seguir o paradigma coerente, quais são as alternativas mais coerentes para desenvolvimento com baixa emissão de carbono e sem desmatamento predatório, nem priorização das pastagens do agronegócio. Agronegócio e Bioeconomia devem conversar mas suas premissas são incompatíveis na ótica dos recursos naturais. O modelo da Bioeconomia permeou a economia da ZFM em 52 anos, uma Indústria sem fumaça. Para este modelo de desenvolvimento, o Agronegócio, e suas receitas milionárias no Centro-Oeste, teriam os campos gerais de Humaitá, afinal, ali temos 16% do território do Amazonas só de campinas, uma vegetação rasteira. Os 20% que a Lei nos permite utilizar de nosso território independe dessa ocupação. Ali ninguém derrubou uma árvore. Nem é por aí que vamos seguir. Em Rondônia, os pecuaristas estão virando piscicultores, produzindo 400% mais proteínas por hectare em comparação a proteína bovina.
O INPA e os ovos de Colombo
Nossa vocação florestal, com 1/5 da biodiversidade do planeta, um banco de germoplasma com uma porcentagem de 5% de conhecimento sobre o perfil dos nossos princípios ativos. Portanto, nosso negócio é bio, não e agro. Ou seja, não é pastagem, é exploração inteligente e sem remoção da biodiversidade. É a Amazônia 4.0, que sugere o aprimoramento do conhecimento da Amazônia, segundo Sandro Breval e Augusto Rocha, uma floresta permeada de tecnologia de ponta. Na Ufam, Universidade Federal do Amazonas, a cientista Thays Obando descobriu na mandíbula da formiga Tucandeira, um grampo amazônico de sutura cirúrgica inspirado nas fibras daquela espécie. Peles humanas fabricadas a partir de células de borracha, que resolvem os dramas dos queimados. São exemplos dos negócios milionários da floresta.Nos escaninhos do INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, estão adormecidos verdadeiros ovos de Colombo para revolucionar a Bioeconomia. Ou seja, inovação na floresta, sem emissão de carbono, significa sair da armadilha predatória e tirar o Brasil do buraco de atrasos seculares. Sem bravatas, pirotecnia, fake news ou fake views…
Comentários