Quem vive de passado é museu, dizem os desafetos das reflexões históricas como instrumento de compreensão do presente. Para nós da Amazônia, aliás, que temos uma bagagem extraordinária de riqueza e glamour, nada mais importante para uma cidade como Manaus do que espalhar por seus quadrantes os movimentos históricos que restaram de seu apogeu. Isso significa que é preciso configurar em instituições museológicas e memoriais temáticos tudo o que de humano, biótico e geológico que por aqui floresceu. Na virada do século XlX, Manaus era uma das cidades mais importantes do planeta, onde já tínhamos, antes do que as demais capitais, o telégrafo, os bondes, a telefonia e a luz elétrica. Vasculhar o passado significa entender os parâmetros da cultura, economia e política que se fragmentaram entre traças e desprezo dos governantes.
Manaus, hoje, é um retrato esburacado da Paris dos Trópicos dos anos 1880 a 1910, quando a rede da preguiça desembalou uma realidade cruel que se impôs, após pesquisas rigorosas, com a plantação extensiva da seringueira nos domínios asiáticos da Coroa Britânica. Os magnatas de Manaus não se davam ao luxo de não precisar ir à Europa para assistir às mais badaladas companhias de teatro e ópera, seus governantes contratavam as tais companhias líricas para deleite dos barões da borracha. Este glamour não se deu apenas pelas badaladas artes cênicas, musicais e operísticas, que por aqui passaram, mas sobretudo das descobertas escondidas e levadas para os países centrais da Europa através dos viajantes europeus que escreveram relatórios preciosos sobre a prodigalidade dos recursos naturais da biodiversidade da Amazônia.
Hoje nossas escolas priorizam temas da cultura folclórica de outras regiões e países, mas não frequentam a memória cultural, indianista e extraordinárias dos estudos aqui formulados e daqui saqueados para elucidação do enigma amazônico em além mar. Eis a razão pela qual desconhecemos a composição dodecafônica do hino do Amazonas, o descaso com nossas lendas, pioneirismo dos antepassados, de nossos heróis da floresta, seus ritos, sua liturgia e os mistérios de suas gastronomia.
Parodiando o maranhense Nunes Pereira, que fez da Amazônia a prioridade de seus estudos e a razão de sua existência, “Se não celebrarmos os nossos heróis, mitos e lendas, eles morrem um pouquinho dentro da gente todos os dias”. E os que se debruçaram na pesquisa e no desenvolvimento regional sem catalogar e difundir os saberes consolidados nas instituições regionais de pesquisa amazônica, correm o risco de esquecimento. Nos arquivos das coleções mal acondicionadas vamos perder precioso tempo, energia e recursos para repetir informações e investigações acadêmicas já realizadas, por exemplo, no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, no Museu Paraense Emílio Goeldi, Centro de Pesquisa do Trópico Úmido, da EMBRAPA Oriental, e importantes descobertas feitas pela Embrapa Ocidental, atuante a quase meio século nos arredores de Manaus. Que descaso brutal e criminoso é este? Nas instituições mencionadas, cientistas renomados mundialmente, por suas investigações na flora e na fauna, estão pendurando o talento de suas botinas, após décadas inteiras de teimosia científica. Ninguém está pensando, entretanto, em reposição de nossos heróis na Ciência, Charles Clement, Niro Higuchi, Adrian Pohlit, Elizabeth Franklin-Chilson, Estevão Monteiro de Paula, Flávia R. Capellotto Costa, Carlos Cleomir Albertina Pimentel Lima, Noémia Ishikawa, Armando Mendes, Clara Pandolfo, Carlos Bueno, Adalberto Luís Val, entre tantos. Eles guardaram suas coleções e descobertas nos escaninhos de sua história, sem poder contar com a gestão inteligente que transforma saber em fazer e movimentar o mercado das soluções que a floresta traz. Até quando?
Comentários