Estávamos numa farmácia atrás de dois medicamentos. Era 5 de setembro de 2018. Dia do Amazonas, da Amazônia, lembrado em conversas pelos dois amazonenses, ali, desnorteados pela apreensão, como se estivessem sem bússola para uma caminhada a esmo na escuridão florestal…
Uma chuva fina e, poderosamente, cruel, porque, de tão fria, deixava a ambos tolhidos de movimentação, a energia criativa de saídas em momentos de perdição.
Daí a pouco ele haveria de internar-se para remover um câncer. Medo…disfarçada com a fanfarra da fé fragilizada pelo realismo da Ciência sem sabença sobrenatural. Ela se revezava entre orações e esforços para parecer calma. E passar a calma que ela insistia em transparecer. Vender um peixe sem saber da textura de sua robustez e sabor…
Ele estava preocupado com o medicamento dela, parte de um tratamento de longo prazo que não admitia quebra. Ela queria assegurar-se da droga contra crises respiratórias que o assaltavam em momentos de pressão e aborrecimentos. Às vezes pensar no outro revela uma neurose escondida que teimamos em driblar…
Faltava 1 hora para a internação combinada e chegar ao hospital parecia a Via Crucis sem Cirineu…. Ele se adiantou em comprar o medicamento dela, dizendo que não seria preciso o seu na internação.
Ela se irritou pelo descaso com a droga vital cuja compra precisava do CRM, o registro de quem o receitou… Enfim, entre insistências e ansiedades, saíram para o desfecho de uma etapa que havia durado 6 semanas intermináveis de torturante espera. Ao menos estavam com os medicamentos de que ambos precisavam.
Já nos aposentos, sem capacidade de transformar cansaço em sono, ambos viram o dia chegar, a passarada paulistana cantando de forma anarquista sem se importar que ali estava a cantoria num sisudo hospital alemão. Com a alvorada chegaram as equipes de preparativos para a missão final… fatal(?). Decididamente o medo nada mais é do que a absoluta falta de fé.
Ao vê-lo rumar para o procedimento, o chão do equilíbrio se ausentou e ela desabou em prantos, balbuciando orações desconectadas a pedir aos céus força e proteção.
Ele mantinha o esforço de respirar em pausa e se alimentar de uma razão forte que o ajudava a acreditar e resistir. Ficar bem pra retomar a caminhada da vida ao lado dela. Nada como ter coisas a fazer, projetos a executar, Utopias a antecipar quando se compartilha a vida e a partida de uma caminhada de vida e de uma nova estrada. Seja lá como for.
Uma razão de vida repartida e recheada de planos, sonhos, publicações, eventos, leituras e redações a quatro mãos de temas e problemas existenciais, de escolas comportamentais, e editoriais, tocados com sucesso, alma, coração e vida a 4 mãos.
Antes da tarde chegar desembarcou o resultado. Tudo ocorrera bem. Procedimento exitoso. Precisava, apenas, esperar o tempo de recuperação e a eventual necessidade de outras terapias de consolidação. Mas tudo ficaria bem. Ficaria?
Nem tudo, lamentavelmente, poderia caminhar assim, tão suave, pacífico e sereno, como nos contos de fada e de final feliz.
As dores da pós cirurgia, intensas e inclementes, medicamentos, dosagens, posições da anatomia cirúrgica, alergias, desconforto e insegurança… chegou a crise da respiração. Como nunca se havia apresentado. Dose cavalar da ausência de ar… Uma correria e frenética movimentação.
Como ? Tudo estava bem. Tudo deveria continuar bem. Ninguém conseguia entender que algo diferente que não fosse a recuperação, mesmo sofrida, programado e bem sucedida.
E o ar aos poucos foi desaparecendo.
Olhos assustados, esbugalhados de revolta e desesperança. Não, não, não pode ser….
Sobrou nele a certeza de que mais nada restava fazer. E nela o debater-se para procurar solução.
Súbito…. a intuição vital de lembrar da droga essencial para deter a aflição lhe acometeu. Claro… A droga.
Uma, duas, três doses de inalação… e de busca de força para transmitir calmaria numa hora em que a agonia era a única presença a se manter.
Ufa… uma luz fugidia que, entretanto, crescia ganhou forma de um alento, e o ar começou a voltar, dos brônquios e bronquíolos dilatados, a chegar e voltar como a vida … E um alívio ocupou o lugar da agonia. A calmaria lançou suas âncoras para se espalhar nos corações e mentes dela e dele que já não viam coisa alguma a fazer.
A droga, a lembrança, a teimosia de assegurar que tudo poderia faltar.
A não ser a demonstração de que cuidar conjugação do verbo amar pra valer…
Já era a madrugada de Sete de Setembro.
O Brasil começará a preparação de seus cambaleantes e vazios festejos…
A Primavera, porém, na espera de sua estreia fenomenal, dera suas primeiras demonstrações de vida, que só se traduz quando cuidada e repartida.
Mais uma vez setembro, em suas surpreendentes incursões gramaticais, se confirmou que o verbo amar tem uma desconcertante metamorfose em sua conjugação no formato do verbo cuidar: a sinonimia mais sublime e a mais transcendental significação. Obrigado, Primavera, Cristy Prima Ellen Veras, pela vida, cuidada e repartida que em Setembro desabrochou… por Amor .
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