Nada tem de ambientalismo – afirmou publicamente a direção do DNIT, o órgão que gerencia estradas no Brasil – o veto à recuperação da BR-319, que integraria por terra o Amazonas ao resto do país, daria competitividade à economia e respeitaria o direito constitucional de ir e vir dos brasileiros interessados em conhecer a floresta amazônica. Há trinta anos roda essa novela para recuperar uma estrada que esteve em pleno funcionamento por 14 anos, de 1973 até 1987. Não há notícia, neste período, da destruição alegada e o novo projeto viário é de estrada parque, como nos países civilizados. Os oficiais do Comando Militar da Amazônia já se dispuseram a proteger a rodovia como fazem na fronteira. Os riscos alegados de destruição florestal, na verdade, são benefícios de toda ordem, incluindo o fomento de atividades econômicas de baixo carbono para as comunidades do traçado, além da atração de indústrias de biotecnologia para extrair com inteligência os tesouros da biodiversidade.
A indústria de Manaus ganha vantagem logística complementar. Ela ampara uma economia que recolhe 50% da receita federal paga pela Região Norte. Ou seja, a estrada já foi paga inúmeras vezes. Nos últimos anos, dizem os jornais, os governantes frequentam a cozinha dos parlamentares do Amazonas que, bem poderiam, exigir o pagamento dessa fatura. Outros interesses, contudo, devem fala mais alto nas negociações de bastidor. Por que financiar um estádio ou uma ponte de urgência questionável, deixando a economia retém das mais altas taxas portuárias do país? Reportagens da TV Globo veicularam denúncias de moradores afirmando que o trecho do meio foi bombardeado para evitar a recuperação da rodovia. E ninguém se empenhou em identificar os responsáveis pelo dano ao bem público e ambiental? E não consta que as entidades ambientalistas recomendem o uso de dinamite para proteger a natureza.
Os argumentos da base ambiental, portanto, são risíveis, pois a estrada seria a melhor maneira de evitar a depredação e brecar outras atividades ilegais. Proteção e integração foram os pilares originais do conceito e valor que deram origem BR319 e à própria Zona Franca de Manaus no governo militar que as implantou. Com efeito, não há outro meio de resguardar um estoque natural sem lhe conferir base econômica. A rodovia, por sua vez, está localizada na mediatriz das calhas dos rios Purus e Madeira, o que limita a possibilidade de infrações ambientais e torna a fiscalização pelos órgãos competentes mais efetivas e menos onerosas. Cerca de 63% da área no entorno da rodovia já é reserva ou Unidade de Conservação ambiental. Além disso o projeto aprovado para a recuperação da BR 319 prevê a expansão dessa área. As atuais exigências do IBAMA para a concessão de licença ambiental referem-se a áreas além das margens da estrada. Estudos sobre as comunidades no entorno confirmam – antes e depois da interrupção do tráfego de veículos – comprometimento da população local com conservação da cobertura vegetal florestal.
As famílias nativas que gostariam de mostrar o resto do país a seus filhos precisam pagar bilhete aéreos, assim como os brasileiros que deveriam conhecer, para amar e cuidar de seu patrimônio. Para a sociedade local, que paga a cesta básica mais cara do país, os produtos ficariam mais baratos. Por balsa até Belém ou Porto Velho – o duopólio tem milhares delas – uma motocicleta é entregue em São Paulo sempre no mês seguinte. A redução de custo com a liberação da recuperação da BR 319 propiciará um ambiente de maior competição entre os modais rodo-fluvial e navegação de cabotagem, possibilitando alternativas logísticas e livre escolha do modal mais adequado para cada situação.
O brado do DNIT traz à baila o modelo político que descreve a gestão sombria do país nos últimos anos, onde a barganha não inclui o planejamento estratégico que aumenta receita, racionaliza custos, amplia o leque de oportunidades. Com a BR 319 se dá o mesmo que a modernização portuária de Manaus, vetada porque iria “destruir o Encontro das Águas” ou com o licenciamento da exploração de silvinita, ora suspenso porque descobriram índios num raio de mil quilômetros, embora algumas de suas lideranças já manifestaram interesse em defender – se consultadas – a instalação do empreendimento. Tudo pareceria apenas cômico se não fosse tão trágico.
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta
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