A geógrafa Bertha Becker jamais escondeu sua inquietação quanto à unanimidade em torno do conceito de sustentabilidade. Como ninguém sabe direito o que isso significa, dizia, poucos se atrevem a discordar dos termos recomendados pela Agenda 21: reposição dos estoques naturais e atendimento das demandas sociais. Talvez por isso, sem que houvesse maiores discrepâncias, o Brasil assumiu, até 2030, a conquista do desmatamento zero, no Acordo do Clima-2015, entre outros compromissos e objetivos, envolvendo a floresta amazônica. Para a maioria dos delegados brasileiros, presentes na assinatura do acordo, desmatamento zero significa intocabilidade, um conceito perverso, moralmente predatório, de preservação. Intocabilidade, do ponto de vista social, é um estímulo &agra ve; depredação ambiental, posto que a pobreza polui.
A despeito da atenção e da disputa que o bioma amazônico tem provocado, desde os primórdios de sua ocupação europeia, no olhar dos negócios e da ciência, não é precipitado afirmar que essa região intrigante e promissora permanece uma esfinge a desafiar todos os paradigmas e ferramentas do conhecimento. Alguns cientistas apontam as enormes dificuldades na formulação de referenciais e indicadores que possam mensurar a sustentabilidade, no sentido da reposição, do processo de seu aproveitamento e desenvolvimento, sobretudo quando o objeto da querela é a biodiversidade florestal. A heterogeneidade, mutabilidade e fragilidade desse bioma tornam complicado o acesso a informações vitais sobre sua estrutura trófica e reprodutiva, e temerárias as r ecomendações de monitoramento e intervenção a respeito de sua conduta. Ou seja, é preciso prudência e parcimônia em generalizar qualquer afirmação sobre a Amazônia, sendo recomendável colocar quase sempre em suspeição o objeto do saber consolidado e as razões do sujeito que o sistematizou.
O valor da floresta em pé não é o mesmo do patrimônio natural amazônico. Aliás, esta confusão por sua vez, é fonte de divertidas e equivocadas especulações futuristas. E, ao mesmo tempo, as condições sociais e de saúde e de educação de sua população apresentam um desempenho não menos espetaculoso – infelizmente às avessas – o que torna delicada e preocupante qualquer estratégia de intervenção, os palpites e propostas de sua exploração em equivocados paradigmas de sustentabilidade. Hoje, em decorrência do acordo de Paris, temos o compromisso diplomático de responder, em nome da saúde da Terra, por 17 objetivos de sustentabilidade, sem saber claramente o sentido e as implicaç&otild e;es desse conceito. Ao longo dos próximos ensaios, estaremos especulando sobre este dever de casa do qual depende a compatibilização entre os ditames climáticos e os interesses das populações que habitam a Amazônia. Ambos dependem desta floresta para o equilíbrio ambiental/planetário. Quem vai pagar por isso? Quem, a não ser os habitantes locais, podem conduzir a formulação de indicadores de sustentabilidade na Amazônia? Uma tarefa que precisa considerar algumas exigências e ater-se a alguns compromissos para que possa credenciar-se como metodologia de monitoramento e de confiabilidade no delicado processo de gerenciamento e aproveitamento das potencialidades e demandas regionais. E mais: é fundamental que essa formulação – que assim como a Ciência não terá jamais estatuto de neutralidade nem objetividade à luz dos fatores e in teresses que a financiam – explicite princípios e opções que a norteiam. Daí a necessidade de serem atendidos os seguintes pressupostos, que iremos na sequencia sugerir: Interatividade, transparência, transdisciplinaridade e epistemologia sistêmica, buscando entender e afirmar as premissas da tal sustentabilidade. Voltaremos…
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