“Mas vocês têm de ver o que é caixa dois e o que é corrupção”. Frase atribuída a Marcelo Oderbrecht, o presidente da maior empreiteira do país, serve para ilustrar as razões pelas quais, segundo dizem as boas línguas, o Brasil inspirou a Universidade britânica de Oxford, mais precisamente a Oxford Dictionaries, o departamento acadêmico dos léxicos, em sua decisão de considerar o termo pós-verdade (“post-truth”) como aquele que mais traduz o que fizeram com a verdade dos fatos, no ano que se encerra. “Pós-verdade é um adjetivo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Pós-verdade, trazida para o cotidiano do Brasil, nada mais é do que corromper a própria tentativa de combater a corrupção, de naturalizar a barbárie de desviar milhões de aposentados que se endividaram, por exemplo, com empréstimos consignados. Pós-verdade serve como uma tradução mais adequada da tentativa de desqualificar a iniciativa das Dez Medidas, um gesto eloquente do tecido social para dizer basta! Aqueles que perpetraram a barbárie hoje não se constrangem de manobrar a inversão dos ilícitos, com medidas legalistas para criminalizar quem os acusa.
Desqualificar o judiciário é esvaziar a indignação generalizada contra o mais espetacular assalto aos cofres públicos da história da República, de todas elas. No caso do Brasil, o presidente da Oderbrecht – sob o nome de corrupção ou caixa dois – com a classe política que o acompanhou – é sim o maestro dessa patologia institucional, seja que nome tiver. Uma compulsão desmesurada pela pecúnia cívica, com sequelas sociais incalculáveis. Pós-verdade, portanto, é satanizar quem se levanta com eficiência e legitimidade contra essa anomalia sem precedentes. Para o procurador Edmilson Barreiros, em entrevistam ao portal Amazonas Atual, os políticos estão mesmo é empenhados em legitimar a ilegalidade do caixa dois, apavorados com o que lhes espera no estatuto legal. Esta é uma conduta que se presta a camuflar a disfunção. Ou seja, uma classe querendo livrar a própria cara, pondo no banco dos réus quem os acusa de evidentes delitos. Não se trata, aqui, de saber quem vai atirar a primeira pedra. Muito menos quem é mocinho ou bandido. Importa é dar um basta no uso perverso dos recursos legalmente pertencentes ao cidadão. Combater a corrupção é um princípio universalmente aceito e a sociedade definiu no Estado de Direito – do qual depende a ordem social constituída, a quem compete julgar quem a pratica. Ponto. Este é o fundamento das Dez Medidas.
No livro “Petrobras – Uma história de orgulho e vergonha”, que a Editora Objetiva lançou em julho, a repórter Roberta Paduan descreve como a empresa que já foi espelho do que o Brasil tem de melhor se tornou sinônimo de roubo, humilhação, patologia institucional em grande escala. Fruto de um trabalho extenso de pesquisa e apuração, o livro narra como a estatal foi cenário de um rombo ainda sob avaliação de tamanho e estragos. Há registro antigo de vários casos de mau uso político e desvio de verbas da empresa, desde sempre, mas nunca como sob as presidências de Lula e Dilma. A frase atribuída a Marcelo Oderbrecht, sobre corrupção ou caixa dois, diante da Polícia Federal, no início da delação premiada, é de outra repórter, Malu Gaspar, da revista Piauí. Ambas descrevem a sedução da barbárie, a pós-verdade que nos tentam impor, e a tragédia humana que isso representa ao país, aos mais humildes, os que mais padecem a banalização da corrupção, da barbárie, do caos….Basta, basta!!!!
Alfredo é filósofo e ensaísta.
Alfredo MR Lopes (*) [email protected]
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