É inteligente buscar em nós a raiz de nossos desatinos antes de sentenciar que o inferno são os outros. Ou por omissão, ou por conferir ao opressor o poder de nos oprimir, frequentemente podemos descobrir que o inimigo mora em nós. O fracasso do Ciclo da Borracha – o clássico leite derramado – não pode ser debitado ao sequestro das sementes para a Malásia e sim à má gestão do fausto, ao descaso do Brasil e da Amazônia com a infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento a ser promovida, aquilo que as oportunidades da floresta impõem. Após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, quando a Debacle se fez sentir na Amazônia, uma nova onda migratória se dirigiu ao Brasil do Sudeste, trazendo uma cultura empreendedora, vital para expansão da economia cafeeira, então transformada num complexo econômico com várias extensões. O processo de urbanização de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo se desenvolveu, em linhas gerais, na esteira dos negócios do café, reforçados pelo capital que se evadiu da floresta. Infraestrutura de comunicação, energia e transporte e da fundação da Universidade de São Paulo – com os melhores cientistas do planeta – são os dois fatores que fizeram o diferencial entre o fracasso gomífero e o fausto cafeeiro. Como perdulários, fizemos da folia do látex a dança da morte, queimando libras esterlinas como se o mundo acabasse amanhã. E enquanto isso, o Sudeste domesticou – com seu técnicos – uma espécie estrangeira, como fizeram os ingleses com a seringueira.
Nada resolve, porém, parar na lamentação do passado, ou na condenação – que as instituições competentes o façam – seja lá de quem for, a não ser para dizer aonde não ir. Precisamos saber por que os cinquenta anos da ZFM não promoveram a pesquisa e o desenvolvimento por uma única razão: este é um caminho que já deu certo na construção do Sudeste e em outras soluções de longo prazo e espectro social relevante. A USP, e demais instituições de pesquisa que focaram, indiscutivelmente, no desenvolvimento integral e integrado, tem em sua base uma elite qualificada em P&D a partir de ensino e pesquisa básica, em Física, Química e Matemática, com investimento na estrutura e funcionamento da sociedade, seus valores, talentos e necessidades.
Na encruzilhada em que nos encontramos, entre a demanda de auditoria, pelo retrovisor da história, e a garantia de revisão dos critérios para aplicação efetiva e transparente dos recursos de P&D, não temos escolha nem tempo a perder. A urgência é debater e redefinir os critérios de distribuição destes recursos, ouvidas as entidades de classe, representantes dos segmentos envolvidos, os cientistas, a insatisfação dos jovens. A atual composição do CAPDA, o Comitê responsável pela gestão dos recursos, tem maioria formada de burocratas de Brasília. Precisamos da maioria de atores locais que pudessem definir as prioridades de TIC, programas, projetos e parques de Tecnologia da Informação e Comunicação e Biotecnologia, a gestão tecnológica do bioma. As empresas, exceções poucas, estão preocupadas em definir, a partir de sua política de C&T&I, o redirecionamento de sua política industrial? Clara que não. Elas querem apenas cumprir a lei. Ponto. Nesse contexto, qual seria o programa a ser proposto, à luz do que queremos em biotecnologia, nano, TIC…? Qual mercado iremos atender? Quais produtos? E qual o perfil básico de nossos técnicos? Com essa definição ou para essa definição, já teríamos esboçado um plano de trabalho e temos – com transparência e competência – os recursos para trabalhar na primeira do plural. Sem esquecer que nem sempre o inferno são os outros, e que programas de pesquisa pagos pelo erário pertencem ao cidadão, não à pequenez das vaidades pessoais. Vamos que vamos!
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