Raimundo Rocha, um inveterado apostador nas oportunidades da agricultura inteligente para fazer a Amazônia autossuficiente em segurança alimentar com base na agroindústria tropical, é um agrônomo da Embrapa Amazônia Ocidental. Ele tem a receita para a moléstia da desarticulação das políticas públicas que dissocia academia, economia e sustentabilidade com prejuízos históricos da prosperidade regional. “A sinergia do sistema empresarial com a agricultura familiar na Amazônia se torna ainda mais vantajosa quando o manejo da palma-de-óleo, ou qualquer plantio de longo prazo, é intercalado com culturas alimentares na fase pré-produtiva”. Estudos relacionam esses cultivos da segurança alimentar com amortização de custos de implantação dos sistemas. De quebra, asseguram proteção ao solo, permitem exploração contínua dos plantios e renovam a atmosfera. Ou seja, milho, feijão-caupi, banana, mamão, abacaxi, mandioca, cará, berinjela, já são receitas orgânicas de repovoamento agroflorestal nos critérios do Acordo do Clima. A AFEAM, Agência de Fomento do Amazonas, financia a produção de guaraná orgânico, exportado para Europa e EUA, em regime de cooperativa financiada e certificada com recursos recolhidos pela indústria. O Amazonas, entretanto, importa 90% do alimento que consome, e deveria constranger-se de concentrar em Manaus mais de 85% de sua economia, com todas as mazelas que esse desequilíbrio impõe.
O Estado do Pará fez o Zoneamento do Dendê, o boi vegetal, e já ocupa uma área de plantio de 200 mil hectares da palma-de-óleo, lembrando que o sucesso deste cultivo na Amazônia se expande nas áreas onde há o consorciamento agrossilvopastoril: dendê, frutíferas e criação de animais. Em 2012, na busca do que fazer com milhares de cachos vazios de dendê, a Embrapa Agroenergia iniciou a prospecção de nanofibras de celulose, assim como o pesquisador da UEA, Antonio Mesquita, na mesma época, descobriu como transformar as fibras do caroço de açaí – milhares de toneladas jogadas no meio ambiente – em placas de MDF, um aglomerado de fibras de celulose com múltiplas utilidades. Se o dendê pode render até seis toneladas de óleo por hectare – enquanto a soja gera entre 500 e 600 quilos no mesmo espaço – a nanofibra do dendê, por sua alta resistência, pode substituir a fibra de vidro, por ser ambiental e economicamente viável. Pode ainda adensar a tecnologia de produção de pneus – pois robustece o papel da borracha – e ainda diversificar a indústria têxtil. De olho no parque industrial da região de Campinas, as empresas de dendê do Pará abriram uma unidade de refino de óleo de dendê em Limeira-SP.
O mesmo interesse industrial se deu em relação ao curauá, outro alvo de nanopesquisas da Embrapa Agroenergia. O CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia, atualmente sob nova direção, encontrou em seus viveiros um acervo de milhares de mudas de curauá (Ananás erectifolius), uma fibra vegetal amazônica utilizada pelos índios para confecção de redes, cordas, fios de pesca, embarcações, por sua alta densidade e resistência. Há testes para construção civil, consorciando curuá a estruturas de sustentação. Já estão consolidados os estudos da nanofibra desta planta para indústria instalada em Manaus: informática, têxtil e de duas rodas. Só falta conter o confisco federal das verbas de pesquisa recolhidas pelas empresas e alinhar a interlocução entre os atores. No Amazonas existe a maior unidade fabril do país em uniformes profissionais, que poderia consorciar suas fibras tradicionais com as fibras tropicais amazônicas, lembrando que, no caso do curauá, a propagação da espécie em laboratório já é rotina, no CBA, há uma década. O mesmo ensaio poderia ser feito, também, com a fibra da juta, uma atividade consolidada pela família Mário Guerreiro e Isaac Sabba, desde os anos 50, desestimuladas pelas prioridades equivocadas das políticas públicas. O Amazonas já ensaiou a produção de dendê em Tefé, incluindo a criação de uma empresa pública, a EMADE. Já pesquisou e comprovou os benefícios e ganhos do dendê. E já promoveu e usufruiu da economia da juta e da malva. Por que não integrar pra valer indústria e economia florestal, em parâmetros de sustentabilidade para consolidação recíproca? Na BrasilJuta dos anos 50/60, a cadeia produtiva de juta e malva ocupava 30 mil empregos diretos e na fábrica de tecidos havia creche, assistência médica e odontológica para os trabalhadores. Entender o abandono dessas oportunidades é ponto de partida para retomar caminhos alternativos de uma nova prosperidade, na perspectiva sustentável, que a diversificação e interiorização da economia exige.
Alfredo Lopes é ensaísta e consultor do Centro da Indústria.
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