A ZFM (Zona Franca de Manaus) está colhendo o joio que plantou. A produção industrial de Manaus permanece entre as piores do Brasil, na contrapartida macabra de mais 58 anos de conversa (a)fiada pela prorrogação publicitária. Os polos de sustentação do modelo despencam nas vendas, a presidente vetou a correção salarial antiga e vergonhosa dos servidores da Suframa, e a gota que falta no desfecho dessa festa imodesta virá com a decretação da greve. E, convenhamos, já não cabem acusações contra o governo como se este não tivesse feito sua parte na distribuição das tarefas. Virou uma chatice indagar sobre o dever de cada um. É preciso saber se há algum acordo na distribuição de tarefas. E quais seriam as tarefas de cada ator, quem são os atores, e a que acordo estamos referindo? Há governo interessado neste assunto? No estado de esvaziamento da Suframa, todos estão atirando para todo lado e se dando conta que não há mais alvo para acertar. “…nem cavalo preto que fuja a galope”, como diz o poeta.
Os dados não constituiriam razão de sobressalto não fossem as demais sinalizações do desemprego, desarticulação de projetos e reversão e revisão de investimentos. Sem alarmismo, muito menos ingenuidade, a desindustrialização já se instalou, tendo em vista que alcança dois segmentos que restaram dos oito polos que já floresceram na Zona Franca de Manaus em momentos não distantes. Qual a relação dessa iminente debacle com aquela ocorrida há cem anos, que desembarcou no esvaziamento da economia extrativista fundada na Hevea brasilienses, a árvore da fortuna e das folias do látex por três décadas?
As respostas são múltiplas e vão numa só direção: a incapacidade atávica e nativa de fazer o que lhe compete. Inovar pela tecnologia a agregação de valor aos bens produzidos, foi o primeiro passo dos visionários ingleses e “melhoristas” holandeses – há cem anos – para inserir fatores de diversificação na semente miraculosa. “Melhoristas” são especialistas em seleção genética de espécies para agregar qualidade e rendimento, portanto valor a produtos naturais. Até hoje seguem rentabilizando a biodiversidade amazônica, fazendo de bromélias e orquídeas verdadeiros troféus de negócios. Se desemborrachamos nosso ciclo de riqueza por que seria diferente na industrialização da ZFM? Assim como no apogeu e desfeita das folias do látex, negligenciamos o dever de casa, embalados pela preguiça do glamour, de quem se apressou em deitar na fama da cama que improvisou. A história se repete como farsa ou como tragédia, parodiando o pensador austríaco sobre os ciclos da quebradeira e do Capital?
Como sustentar e consolidar um modelo que repassa – em nome de uma renúncia fiscal questionável e da bajulação abominável – 54,42% da riqueza que produz aos cofres federais, apesar de sua obrigação de equacionar os índices vergonhosos de desenvolvimento que mais de uma dezena de municípios do Amazonas ostentam. Trocamos a sucumbência à vontade da Corte pela decisão de assegurar o amparo socioeconômico das demandas regionais, descuidando sistematicamente de sua defesa e resguardo. A ZFM se desindustrializa pela negligência com sua função estratégica, sua infraestrutura, adensamento tecnológico e combate à burocratização. Estas seriam as condições essenciais de seu adensamento e independência. De quebra, no ralo da preguiça, optamos pelo imediatismo dos frutos no segmento industrial, abandonando os demais pilares de sustentação da economia, o comércio/serviços e o setor agrícola. Abrimos mão da genialidade original do projeto ZFM, desenhado pelo engenho e arte de Arthur Amorim e Roberto Campos, o maior acerto fiscal de redução da constrangedora desigualdade regional, transferindo a outrem a primazia de dirigir a nave de nosso destino e de uma nova História…
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