Em tempos de cólera e de incertezas, o amazonense João Pedro Gonçalves topou aceitar a direção da Fundação Nacional do Índio. Sendo de nascença parintintin, é também guaraní* , e carece de apoio e crença para contornar as adversidades que já enfrenta, e incluem corte drástico de orçamentário em sua sagrada área de atuação. Precisa virar acauã* para defender as populações indígenas isoladas do rio Javari, onde a situação sanitária e cultural é considerada alarmante por observadores internacionais, incluindo setores da ONU – com mortes provocadas por desnutrição e diarreias. É preciso cerrar esforços e apoio para o delicado e emergencial desafio que isso significa. Seria fácil apenas desmontar a trama do descaso federal aí implícita. Isso, entretanto, em nada vai contribuir para aliviar o drama cotidiano de milhares de irmãos indígenas, que nos precederam na floresta e que padecem as sequelas de políticas equivocadas de um Brasil que desconhece o Brasil, e por isso é incapaz de gerenciar seus interesses e destino.
Os grupamentos indígenas espalhados por todo o território nacional nas chamadas reservas ou Terras Indígenas TI, são 700, no total da Funai, embora muitas delas ignorem as fronteiras, especialmente nos estados da Amazônia Legal brasileira. Conforme o Censo IBGE 2010, havia 433.363 índios nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão. Políticas públicas como o programa Bolsa-família conseguiram retirar contingentes significativos da população da linha da miséria, sobretudo no Nordeste. No caso dos índios na Amazônia, porém, o programa registra sequelas sociais desastrosas, pela atração das populações para as periferias dos municípios, onde a prostituição, o alcoolismo e outras drogas deploram e degradam a condição humana dos índios. Algumas etnias estão desaparecendo, e com elas o acervo cultural, o conhecimento, compreensão da floresta. Um país sem memória é um país que distorce a compreensão de seu presente e fará projeções e planos equivocados para seu amanhã. Os índios estão entrando pela porta dos fundos desta civilização predatória, absorvendo o lixo da cultura não-índia, que os rejeita e discrimina. João Pedro não poderá ter eçaí*
Esta discriminação descarta a herança de 20 mil anos de conhecimentos da enigmática relação entre natureza e cultura na Amazônia, onde a flora e a fauna abrigam soluções miraculosas para as demandas humana de higidez, de compreensão da evolução biomolecular que tanto excitou o imaginário dos viajantes europeus, empenhados em vasculhar e encontrar a chave de compreensão dos mistérios da vida, da eterna juventude, sua perenidade e esplendor. Quem, além das populações indígenas, nos ensinará a harmonia necessária da condição humana com o mundo natural, suas lições e alertas para os equívocos que empurraram a presença humana na terra para um dilema climático ameaçador. Daí o apoio ao organismo público que cuida das populações indígenas que, isolado e com recursos orçamentários reduzidos, pouco ou nada poderá fazer. Hoje, as populações indígenas viraram alvo e braço do narcotráfico, por absoluta falta de alternativa de sobrevivência e acesso a alguns benefícios da chamada cultura branca. No Vale do Javari, o plantio de coca e da maconha hidropônica avança no lado peruano e ensaia se espalhar pela região. Este é apenas um dos desafios entre tantos, que se colocam aos entes federais na Amazônia, onde cada ministério mira numa direção, sem as munições para disparar medidas conjuntas, de colaboração e de racionalidade funcional que organismos como a Funai precisa para cuidar de nosso patrimônio natural e, sobretudo, humano. João Pedro não é namoa* é manauara*. Glossário: *guarani – guerreiro; *acauã, ave que mata cobras para alimentar suas crias*eçaí – olhos pequenos* namoa- gente de longe *manauara – morador de Manaus.
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