Como todo filósofo, o ministro Mangabeira Unger, ora em roteiro amazônico por Manaus, exerce a facilidade da narrativa, transitando com desenvoltura entre ideologia e ciência. Ele, mais do que seus pares, sabe a que se presta cada um desses sistemas de representação da realidade. A ideologia, nos regimes autoritários ou populistas, cumpre um papel de legitimação/falsificação da ordem estabelecida, em detrimento do papel da ciência, com seus estereótipos de neutralidade, e que pode ajudar e revolvê-la, uma tarefa filosófica. Nesse momento de apuros generalizados, onde a economia foi corroída pela imperícia da gestão pública e o tecido social escalado para pagar a conta, não faz sentido largar os afazeres da tribo para pajear alguém que por aqui já passou, em tempos recentes, foi capaz de interlocução sobre os desafios locais e, mesmo tendo oportunidade, nada fez para agregar energia e sinergia efetiva de enfrentamento das questões cruciais.
Com um acalentado sotaque norte-americano, embora seja carioca e neto de baiano, Mangabeira faz o gênero de provocador de plantão desde que descobriu que suas ideias foram classificadas de polêmicas por um tipo de mídia ávida por sair do lugar comum. Numa delas, o filósofo sugeriu que as águas da região amazônica fossem conduzidas para o semiárido nordestino através de um gigantesco aqueduto ligando o Norte ao Nordeste, negado depois veementemente após perceber a infelicidade estratégica de seu palpite. Ora na equipe do PT da presidente Dilma, Mangabeira já propôs em novembro de 2005 em artigo na Folha, de que o presidente Lula deveria sofrer um processo de impeachment por comandar o governo mais corrupto da história nacional, em pleno clima do mensalão. O mais polêmico de tudo isso estava por vir: menos de dois anos depois, Mangabeira se tornava ministro do mesmo governo que criticara. Defendeu-se na ocasião, sob o argumento de que não aceitar o cargo seria de um farisaísmo complacente. Ninguém, porém, é titular de direito e filosofia na Universidade de Harvard, onde começou a lecionar aos 23 anos, e poucos nativos são alvo de duas reportagens elogiosas no jornal The New York Times. Ele veio a Manaus porque o mundo está de olho na floresta e Mangabeira sabe disso, desde sempre, pois morou na América do Norte desde 4 meses de idade, onde há mais saber que a floresta que Goeldi, Inpa e Cia. juntos.
Ministro de Assuntos Estratégicos do PSDB e do PT, ele insiste em algumas propostas para a Amazônia, fruto de suas conversas com alguns estudiosos da região. Mas não há registro de nada que tenha encaminhado sobre desenvolvimento sustentável da Amazônia, um axioma suspeito posto que sobre o qual todos concordam. “Toda unanimidade é burra”, dizia Nelson Rodrigues. Para Mangabeira, o primeiro passo para promover novas alternativas econômicas na região com preservação ambiental e inclusão social seria a regulamentação fundiária. Ele se diz adepto do acesso regional à infraestrutura, para evitar a prática de atividades ilegais que hoje correm solta na região, o narcotráfico e a biopirataria. Se questionar porém sua conduta, o ministro não saberá dizer porque jamais atuou para que esse diagnostico fosse posto em prática. Além da regularização fundiária, ele propõe uma política inteligente e coerente contra o desmatamento, auxílio aos pequenos produtores, reorganização da agricultura e da pecuária, organização da rede industrial e transporte multimodal. Em seu diagnóstico, ora atualizado, com eixos focados em educação, inovação e interatividades do saber e do poder, Mangabeira passou a largo de uma questão filosófica elementar: aonde foi parar a pecúnia da pesquisa, desenvolvimento e libertação/integração/promoção da Amazônia, se daqui saiu e no programa Ciência Sem Fronteira não chegou, como atestou a CAPES, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior? Como levar adiante essa conversa, se a verbas de Pesquisa e Desenvolvimento – mais de bilhão de reais – seguem confiscadas pelo governo que ele serve, para além dos eixos epistemológicos e metafísicos de Mangabeira e sua prosa sem propósito nem aplicação.
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