A bioeconomia, apoiada pela tecnologia e pelos princípios da economia circular, pode ser uma vitória para a sustentabilidade; veja exemplos e futuro do país no ramo
Uma série de consequências da ação humana no meio ambiente vem trazendo o aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE), da temperatura média global, a devastação de ecossistemas e outras mudanças climáticas. Frente a esses desafios ambientais e sociais, a implementação e expansão de uma bioeconomia global, sobretudo em países menos desenvolvidos, pode ser uma resposta promissora.
Bioeconomia, na definição do Embrapa, consiste em um modelo de produção industrial baseado no uso de recursos biológicos. O termo se popularizou na primeira década do século XXI a partir de sua utilização por parte da União Europeia (UE) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como marco para promover o uso da biotecnologia com o objetivo de desenvolver novos produtos e mercados.
Os três pilares da bioeconomia são sustentabilidade, inovação e circularidade. Seu objetivo é oferecer soluções para a sustentabilidade dos sistemas de produção, visando a substituição de recursos fósseis e não renováveis. Dessa forma, ao integrar avanços em biotecnologia e ferramentas digitais com os princípios da economia circular, ela oferece soluções que não apenas mitigam os impactos ambientais, mas também impulsionam o crescimento econômico e o bem-estar social. Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), por exemplo, mostram que esse setor já movimenta aproximadamente 2 trilhões de euros e gera emprego para 22 milhões de pessoas.
- Sustentabilidade: enfatiza o uso responsável dos recursos naturais, de modo a garantir que as gerações futuras também possam atendê-las;
- Inovação: explora novas tecnologias e processos para melhorar a eficiência e a sustentabilidade;
- Circularidade: promove o reuso, a reciclagem e a valorização de resíduos, transformando-os em novos produtos e energias.
Alguns exemplos de bioeconomia incluem energia limpa, como solar e eólica, plásticos, embalagens e tecidos biodegradáveis e alimentos funcionais, desenvolvidos por meio de técnicas de biotecnologia.
Quais são os 3 tipos de bioeconomia?
Os três principais tipos de bioeconomia são:
- Biotecnológica: o objetivo é a aplicação comercial de produtos derivados de biotecnologia. Acredita que a incorporação de tecnologias intensivas em ciência no processo de produção gera maior eficiência ambiental.
- Biorrecursos: tem como principal objetivo a substituição de insumos e produtos de origem não renovável pela expansão da produção e produtividade dos recursos biológicos.
- Bioecológica: neste caso, o critério de sustentabilidade se sobrepõe ao de crescimento unilateral da economia. O objetivo é a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e dos recursos naturais, além da capacidade de fornecer serviços ecossistêmicos. Se baseia na diversidade de produtos e conhecimentos locais associados. É especialmente relevante em contextos como a Amazônia.
Agregação de valor na bioeconomia
Dentro desse ramo, é possível transformar recursos biológicos em produtos e serviços que possuem maior valor econômico e social, contribuindo para um desenvolvimento sustentável. Este conceito é fundamental para maximizar os benefícios econômicos, ambientais e sociais associados ao uso de recursos naturais e pode beneficiar diversas cadeias produtivas.
A bioeconomia pode atuar na agregação de valor dentro da cultura do cacau, com a transformação de subprodutos da cacauicultura em novos produtos, como cosméticos e alimentos funcionais, o que pode aumentar a rentabilidade dos produtores. Além disso, o desenvolvimento de biodefensivos e bioinsumos utilizando biotecnologia não só agrega valor aos produtos agrícolas, mas também contribui para práticas agrícolas mais sustentáveis.
Outro exemplo é a exploração sustentável de produtos como açaí, palmito, castanha e urucum, que podem gerar um PIB significativo para a região. “Se a gente olhar só esses 13 produtos, até 2050, a nova economia da Amazônia mostra que você teria um PIB de no mínimo 38,5 bi. Ou seja, ele quase triplicaria. Se a gente for capaz de pegar o conhecimento local, colocar isso em estatística, botar nos modelos de equilíbrio geral, que são esses modelos de projeção, certamente essas coisas chegaram a 100, 200 bi que é maior do que o valor da agropecuária, por exemplo”, diz o economista Rafael Feltran Barbi em entrevista ao g1.
A parceria entre bioeconomia e tradição
A utilização de insumos de base biológica e de biomassa para a fabricação de produtos não é novidade no Brasil, com destaque para a produção de etanol de cana-de-açúcar, que começou a se consolidar no final da década de 1970. A grande diferença é que, dos anos 2000 em diante, a bioeconomia brasileira passou a abranger uma gama maior de produtos e a adotar um enfoque mais intensivo no uso de conhecimento científico e tecnológico.
Assim, a proposta atual desse modelo econômico em comparação ao formato tradicional é que a versão moderna se destaca por utilizar biotecnologia, genômica, biologia sintética, bioinformática e engenharia genética para desenvolver processos inovadores e transformar recursos naturais em bens e serviços de alto valor agregado. Essa evolução tem potencial para criar cadeias de produção mais sustentáveis, gerar novas oportunidades econômicas e melhorar a eficiência no uso de recursos naturais.
Por se basear na produção sustentável de recursos renováveis, a associação da bioeconomia moderna aos conhecimentos tradicionais dos povos são essenciais para o seu desenvolvimento. O tema foi pauta de reuniões do G20 este ano, um fórum criado para que países cooperem e debatam sobre diversos assuntos financeiros internacionais.
Já no Acordo de Paris, em 2015, foi reconhecido o conhecimento dos povos indígenas como científico, em um importante marco de legitimação. Porém, há séculos este conhecimento já é replicado pela indústria mundial como, por exemplo, no desenvolvimento de fármacos. São os casos da aspirina, que deriva da casca do salgueiro, e também da morfina, advinda das sementes da papoula.
Bioeconomia aplicada ao desenvolvimento sustentável
A implementação e expansão de uma bioeconomia global, sobretudo em países menos desenvolvidos, é uma resposta promissora e urgente frente aos desafios climáticos e sociais atuais. Afinal, o potencial desse sistema econômico não se restringe à produção de bioenergia: segundo o World Economic Forum, tecnologias de bioimpressão já estão imprimindo tecidos e órgãos, com potencial para transformar os transplantes de órgãos e reduzir a dependência de doadores. Isso exemplifica como os princípios da bioeconomia podem atender a necessidades críticas da sociedade, promovendo a sustentabilidade.
Outro exemplo que reforça princípios de circularidade dentro da bioeconomia são os resíduos agrícolas, que podem ser convertidos em biogás através da digestão anaeróbica, com o material remanescente sendo usado como um fertilizante rico em nutrientes. Além disso, na construção civil, materiais de base biológica, como o hempcrete (concreto à base de cânhamo), oferecem alternativas sustentáveis aos materiais de construção tradicionais.
No Brasil, a conversão de cana-de-açúcar em etanol foi um dos primeiros exemplos que ajudaram a reduzir a dependência de combustíveis fósseis, diminuiu as emissões de carbono e criou empregos, especialmente em áreas rurais. Este programa também gera créditos de carbono a partir da produção de etanol, integrados com a comercialização de ativos ambientais.
Potenciais e desafios do Brasil no ramo
Um dos principais obstáculos no país para o melhor desenvolvimento desse modelo era a ausência de um Plano Nacional de Bioeconomia que integre ações em diferentes setores e não fragmente as iniciativas, que careciam de coordenação governamental entre iniciativas públicas e privadas. Assim, em junho deste ano, em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, foi lançado pelo governo o decreto que institui a Estratégia Nacional de Bioeconomia.
Ele reúne as diretrizes e objetivos para o desenvolvimento de cadeias de produtos, processos e serviços que utilizam recursos biológicos e tecnologia avançada para elaboração de produtos mais sustentáveis, buscando promover a cooperação entre os estados, municípios, o Distrito Federal, as organizações da sociedade civil e as entidades privadas para incentivar negócios dentro do ramo.
O decreto não deixa de ratificar a importância do conhecimento de populações indígenas e tradicionais para o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil, crucial para a realidade nacional.
Agora, segundo análise do Grupo de Trabalho de Bioeconomia da Uma Concertação pela Amazônia, a manutenção do empenho do governo para estabelecer o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia deverá ser um dos desafios do desenvolvimento brasileiro nesse modelo econômico, de modo a facilitar a aceitação das políticas em nível local e promover a inclusão de lideranças amazônicas no processo.
Assim, ao investir na infraestrutura necessária e fomentar um esforço colaborativo entre os setores, torna-se mais possível acelerar a transição para uma economia sustentável e desbloquear todo o potencial da bioeconomia, posicionando-a como um pilar fundamental de uma economia global resiliente e sustentável.
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