Taxa de metal no sangue de 90% das mulheres na população da aldeia de Taluen é superior ao limite recomendado pela OMS por causa do garimpo brasileiro
Na aldeia de Taluen, às margens do rio Maroni, na Guiana Francesa, Patrick Twenké, líder dos indígenas wayanas, precisa lidar com o sofrimento de alguém que vê seu lar sendo destruído pelo garimpo ilegal. O local, na fronteira com o Suriname, foi tomado pelas consequências da atividade, que se expande com mão de obra do Brasil e dinheiro da China. “Quando tomo banho no rio, me sinto como um porco na água suja”, diz Twenké a jornalista da Folha, que viajou ao local a convite da WWF.
“O maior problema é o rio, que nos alimenta. E a floresta, que é como a nossa geladeira. Agora muitos de nós têm medo de ir caçar no mato, devido à presença dos garimpeiros”, relata ele, líder de um povo distribuído em seis aldeias e com cerca de 1.500 pessoas.
Os impactos do mercúrio usado pelo garimpo brasileiro
Além dos impactos sociais para a aldeia, os ambientais também não deixam de ser uma preocupação. O rio Maroni, usado pelo cacique da tribo desde criança para tomar banho, é contaminado ao longo do processo com o mercúrio, metal usado pelo garimpo brasileiro no processo de separação do ouro e descartado de forma indiscriminada na natureza.
A contaminação também é sentida por mulheres e crianças wayanas. O mercúrio, ao ser despejado nos rios, é transformado em material orgânico e entra nas microalgas. A partir daí, penetra e se espalha por toda a cadeia alimentar e termina no organismo dos indígenas wayanas, que mais sofrem com os impactos.
“Busco explicar a importância de fazer uma pausa de pelo menos duas semanas para comer peixes carnívoros [para evitar ingestão frequente de mercúrio]. O problema é que já não há tanta variedade nos rios para que possam escolher”, conta a artesã Linia Opoya, 47, que preside a Associação das Vítimas do Mercúrio do Alto Maroni. Hoje, a taxa de metal no sangue de 90% das mulheres na população da aldeia de Taluen é superior ao limite recomendado pela OMS, assim como a de mais de 50% das crianças.
O irmão de Linia era o responsável por abastecer a família, indo pescar em uma aldeia vizinha para conseguir alimento. Com os rios contaminados, efeitos colaterais como vertigem, azia, dor muscular e nas articulações e queda de cabelo já foram alguns dos sintomas sentidos pela wayana. Não teve jeito: a dieta teve que mudar.
“Os indígenas não podem comer os peixes dos rios, por isso têm de comprar nos comércios chineses, [que também abastecem o garimpo com mercúrio,] do outro lado do rio. Pratos feitos, refrigerante, coisas gordurosas, salgadas viraram sua alimentação”, conta o infectologista Rémy Pignoux, que há décadas se mudou para Maripasoula, cidade mais próxima às aldeias. Ele pontua que as consequências não são apenas para os wayanas: cerca de 20% de seus pacientes são garimpeiros, frequentadores das mesmas unidades de saúde às quais vão os indígenas contaminados pelo mercúrio usado nessa atividade ilegal.
“São problemas de memória, de aprendizagem, de comportamento, além de baixa audição e visão”, descreve sobre os impactos observados principalmente nas crianças, incluindo alterações no sistema nervoso central. “A vida dessas crianças vai ser complicada por uma dificuldade de se inserir na sociedade.”
Comentários