“Autoridade Climática implica em visão integrada e dinâmica para habilitar-se como um grande movimento, na construção da chave para um futuro ao mesmo tempo sustentável e em evolução. Afinal, como nos ensina a *physis*, todos os elementos estão interligados, e as mudanças de qualquer uma das instâncias, afetam diretamente o destino, a redenção ou a involução de todos.”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Nos primórdios do pensamento filosófico, a totalidade da realidade tem sido concebida como um sistema interligado, onde o homem e a natureza fazem parte de uma mesma unidade. Este conceito, derivado do grego *physis*, foi proposto pelos filósofos pré-socráticos e trazido à tona recentemente com uma nova roupagem no pensamento ocidental, especialmente na física quântica. Gerd Borheim, filósofo brasileiro, descreve essa unidade entre o homem e a natureza como uma compreensão da totalidade do real, que abrange o cosmos, os deuses, o homem, o movimento e a mudança. Essa mesma perspectiva pode ser aplicada à gestão de crises ambientais, como as que enfrentamos atualmente no Brasil.
O conceito da totalidade conectada, onde não existe a ruptura entre homem e natureza, está presente na cosmovisão dos povos originários, onde a natureza ganha estatuto de humanidade, as árvores falam e os rios comandam a vida e a condição humana é um item componente do universo natural. Os livros e as narrativas do filósofo indígena Ailton Krenak estão entremeados dessa ética da ancestralidade que não separa a condição humana da natureza biótica. São ponderações distantes do discurso político, entretanto, essa visão de mundo é a mais eloquente tradução da ameaçadora encruzilhada climática que o planeta padece e também um convite para fazermos as pazes com a Natureza e nos habilitarmos ao seu pertencimento. Pelo contrário, se a humanidade continua destruindo a physis, ele está decretado sua absoluta perdição.
Os eventos climáticos extremos, originados na ação humana. como a destruição do Pantanal, incêndios no Cerrado e o desmatamento na Amazônia, entre outros biomas ameaçados, nos mostram que todas as coisas estão em constante movimento e de forma interligada. Não há como compartimentar os problemas ambientais ou isolá-los dos impactos que têm sobre o homem. Assim, a criação da Autoridade Climática, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2024, poderia responder à necessidade de gerir a natureza – e todos os seus componentes – a partir de uma visão de totalidade e de movimento, conforme os ensinamentos da *physis*.
Compromisso político não se dá por decreto nem sua materialidade pode ser cobrada de um governo com mandato restrito. Trata-se de movimento, primeiramente de reconciliação com os biomas, sua recomposição e fortalecimento, caso não queiramos perpetrar um genocídio radical. No Brasil, costumamos criar um ministério toda vez que uma crise de repercussão mundial nos alcança. Dessa vez a cena é mais crítica pois a desordem é mundial e temos a chance de chamar a atenção do planeta para o risco que a destruição da floresta representa. Este é – ou deveria ser – um dos atributos da Autoridade Climática. Mais uma vez, a premissa é da totalidade interligada e em movimento, reafirmando a visão de mundo dos pré-socráticos.
Necessidade do olhar Integrado. A crise climática que atinge, mais dramaticamente, o Pantanal, Cerrado e Amazônia não é um fenômeno isolado. Como descrito por Borheim, esta é uma manifestação da *physis*, o conjunto de tudo que existe e está em constante transformação. No caso dos biomas brasileiros, essa transformação tem se manifestado de forma cada vez mais evidente e destrutiva. A mudança climática, aceleradas pela intervenção humana, demonstram que o que deveria estar integrado é tratado como problemas independentes. Não são… tudo está conectado: o desmatamento na Amazônia altera o ciclo de chuvas no Cerrado, que por sua vez impacta as águas do Pantanal. As implicações se estendem ao continente e seus oceanos gerando os desequilíbrios em total descontrole.
Diante dessa realidade, a Autoridade Climática surge como um alerta de mobilização, uma tentativa de reestruturar a relação entre o homem e a natureza da qual já se falava na transição administrativa em 2022. Ao invés de ver as questões climáticas como um problema técnico, a nova autoridade deverá implementar uma visão integrada, onde o desenvolvimento humano e a preservação ambiental caminham juntos, em conexão orgânica e quântica, como engrenagem do todo. Foram, pois, os pré-socráticos a base de inspiração dos princípios da física quântica que enxerga com suas ferramentas a evolução/involução da *physis*: e se tudo está conectado, e qualquer ação, por menor que seja, reverbera no todo.
Desafios interligados: Pantanal, Cerrado e Amazônia – O Pantanal tem sofrido com vazantes extremas, provocadas por uma mudança drástica no ciclo das águas. De forma semelhante, o Cerrado, vital para o abastecimento hídrico do Brasil, tem sido devastado pela expansão agrícola e pelas queimadas, colocando em risco sua capacidade de resiliência. A Amazônia, por sua vez, enfrenta pressões ainda maiores, com o avanço do desmatamento comprometendo não apenas a biodiversidade local, mas o equilíbrio climático global. Seus rios secam ano a ano, na previsão, três anos seguidos.
A Autoridade Climática terá como desafio atuar em cada um desses biomas, compreendendo que eles fazem parte de uma realidade interligada. A gestão climática deve seguir o princípio da *physis*, onde cada ação deve ser pensada considerando seus efeitos sobre o todo. Assim, as soluções para os desafios ambientais do Pantanal, Cerrado e Amazônia precisam ser articuladas em conjunto, respeitando as particularidades de cada bioma, mas sempre tendo em mente que nenhum existe de forma isolada.
Entretanto, se essas ações, mesmo integradas e tratadas em simultaneidade operativa, estaremos ainda assim reproduzindo os equívocos da compartimentação se não olharmos sob a perspectiva maior da totalidade. Pantanal e Amazônia são biomas continentais, isto é, precisam de compartilhamento gerencial… e o Cerrado é matriz manancial de diversos e estratégicos rios brasileiros. E este bioma se conecta à Caatinga do Nordeste e aos Pampas e aos Manguezais. Portanto, a Autoridade Climática, além de compromisso político precisa integrar-se aos demais poderes do país, os diversos setores da economia, da Democracia e da Comunicação, além da interação imperativa com os poderes do continente e do planeta.
A criação da Autoridade Climática traduz uma compreensão coletiva e crescente de que a crise climática é uma questão de interconexão. O fator humano, como parte da *physis*, deve reconhecer seu papel dentro da natureza e sua responsabilidade em manter o equilíbrio do todo. Esta é a questão. Assim como na filosofia pré-socrática, o movimento é incessante. Aqueles que se recusam a mudar, que permanecem inertes diante da crise climática, andam para trás, e estão condenados ao fracasso e condenando o planeta à insolvência.
De forma alucinada e por todos os lados, a destruição contínua da floresta traz um custo incalculável para o Brasil e o mundo, tanto ambiental quanto economicamente. Caso nada seja feito para frear as agressões que seguem ocorrendo, o impacto será devastador. A perda da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal comprometerá não apenas a biodiversidade e o ciclo das chuvas, mas também a segurança hídrica e climática de todo o continente. Sem uma governança eficaz, a destruição será inevitável, e o custo dessa inação será irreversível. Os danos à economia, que depende da estabilidade climática e dos serviços ecossistêmicos, somam-se à degradação social
O Brasil tem diante de si uma oportunidade única de liderar pelo exemplo, mostrando que é possível conciliar desenvolvimento econômico e reconciliação/preservação ambiental. Autoridade Climática implica em visão integrada e dinâmica para habilitar-se como um grande movimento, na construção da chave para um futuro ao mesmo tempo sustentável e em evolução. Afinal, como nos ensina a *physis*, todos os elementos do universo estão interligados, e as mudanças de qualquer uma das instâncias afetam diretamente o destino, a redenção e/ou a involução de todos nós.”
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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