A JBS e outros frigoríficos em Rondônia enfrentam processos por comprarem gado ilegal da devastada Reserva Jaci-Paraná, com auditorias revelando 12% do gado adquirido de áreas desmatadas. Enquanto isso, famílias locais são expulsas violentamente, agravando o conflito ambiental e social na região.
A JBS, junto com outros três frigoríficos em Rondônia, enfrenta ações judiciais devido à aquisição de gado criado ilegalmente na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, que é a área de conservação mais desmatada da Amazônia brasileira. As 17 ações civis públicas, impetradas pela Procuradoria Geral do Estado de Rondônia, buscam indenizações milionárias para reparar os danos ambientais causados e expulsar os invasores da reserva, que foi transformada em pasto após décadas de exploração indevida por grileiros, madeireiros e pecuaristas.
Contrariando as leis que proíbem a criação comercial de gado em Resex, aproximadamente 216 mil cabeças de gado pastam na área da Jaci-Paraná, representando o maior rebanho ilegal em uma terra protegida da Amazônia. As Guias de Trânsito Animal (GTAs), que documentam o movimento do gado, incluem informações chocantes: endereços de origem de fazendas ilegais dentro da reserva e destinos diretos para o matadouro. Essas GTAs são documentos confidenciais e revelam detalhes sobre a origem, destino, e a saúde dos animais.
Jair Schmitt, diretor de Proteção Ambiental do Ibama, expressou surpresa ao encontrar uma GTA com o nome de uma unidade de conservação. A JBS, acusada em três dos 17 processos, junto com fazendeiros, enfrenta alegações graves de invasão, ocupação ilegal e danos ambientais na Jaci-Paraná. A Procuradoria Geral do Estado de Rondônia exige o pagamento de R$ 16,9 milhões por danos ambientais, além de multas adicionais por comprar gado ilegal.
As ações judiciais tentam quantificar o custo da destruição da floresta, uma tarefa complicada devido ao valor quase insubstituível da floresta. Um laudo estima os danos na reserva em mais de R$ 5 bilhões. A Procuradoria também busca proibir os frigoríficos de adquirir gado da Jaci-Paraná, criticando a prática de privatizar lucros enquanto socializam os custos da degradação ambiental. A JBS, por sua vez, não comentou sobre o processo, alegando falta de citação judicial.
Acusações a frigoríficos e decisões judiciais
Três frigoríficos de Rondônia, Frigon, Distriboi e Tangará, são acusados de adquirir gado ilegalmente criado na Reserva Extrativista Jaci-Paraná. Eles não responderam às perguntas enviadas pela imprensa. Decisões liminares da 1ª e 2ª Varas de Fazenda Pública de Porto Velho ordenaram que invasores deixassem suas fazendas, retirassem o gado e desmontassem infraestruturas construídas ilegalmente na reserva. Além disso, foi proibida a aquisição de gado da reserva pelos frigoríficos mencionados, com multas significativas em caso de descumprimento.
Um juiz de Buritis negou pedidos liminares, incluindo a proibição da JBS de comprar gado da reserva, solicitando documentos adicionais da Procuradoria Geral do Estado e um estudo de impacto econômico. A decisão foi controversa, dado que um oficial de justiça enfrentou ameaças ao tentar notificar um invasor, conforme documentado no processo.
O caso Frigon
O Frigon, com laços políticos em Rondônia e apontado como o maior comprador de gado ilegal da reserva, enfrenta uma demanda de pagamento de R$ 83,4 milhões por danos ambientais. A empresa, que se apresenta como exportadora de carne para diversos mercados internacionais e comprometida com controles socioambientais, possui influência econômica e política significativa na região.
A família Gonçalves, proprietária do Frigon, possui ramificações na política de Rondônia. João Gonçalves Filho, principal administrador do frigorífico, teve uma candidatura ao Senado em 2022 e declarou uma fortuna pessoal substancial. Seu filho, João Gonçalves Júnior, atual prefeito de Jaru, expressou suas posições políticas e participou de uma comitiva de empresários do agronegócio em uma viagem à China com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Expansão política e econômica da família Gonçalves
Sérgio Gonçalves da Silva, sobrinho de João Gonçalves e membro da influente família Gonçalves, ocupa o cargo de vice-governador de Rondônia e secretário de Desenvolvimento Econômico do estado. Ele trabalhou no Supermercado Gonçalves, parte do grupo empresarial da família, que enfrentou dificuldades financeiras e teve sua falência declarada em 2019. Sérgio formou a chapa vencedora para a reeleição do governador Marcos Rocha em 2022. Outro membro da família, José Gonçalves da Silva Júnior, irmão de Sérgio, é chefe da Casa Civil do governo de Rondônia e considerado uma figura-chave na administração estadual.
As unidades da JBS em Rondônia exportam carne para vários países, demonstrando a abrangência global do comércio de carne oriunda de áreas desmatadas. O desmatamento da Amazônia, impulsionado principalmente pela conversão de terras em pastagens, é uma preocupação global devido às implicações climáticas. Rondônia, especificamente, é um dos estados mais afetados pelo desmatamento na Amazônia brasileira.
A Resex Jaci-Paraná foi criada pelo Banco Mundial nos anos 90, após o financiamento da construção da rodovia BR-364. No entanto, a unidade de conservação sofreu com invasões e grilagens, com pouca resistência das autoridades. Decisões políticas anteriores, como a redução da Floresta Nacional Bom Futuro por Lula e as promessas de legalização de terras protegidas por Bolsonaro e Marcos Rocha, incentivaram ainda mais as invasões.
Compromissos e contradições governamentais
Em face da recusa do governo de Rondônia em expulsar invasores, a Idaron e o Ministério Público Estadual (MPE) firmaram um acordo para monitorar doenças do gado e combater crimes ambientais. Isso levou à emissão de GTAs e Cadastros de Imóvel Rural, documentos que também foram usados pelos invasores para justificar a ocupação das terras. Segundo Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, esse processo revela contradições dos órgãos públicos e fragilidades nos sistemas de controle.
O valor elevado da terra na região da Resex Jaci-Paraná tornou a invasão e a exploração ilegal irresistivelmente lucrativas. Uma auditoria do Ministério Público Federal identificou que 12% do gado comprado pela JBS em Rondônia provém de áreas desmatadas ilegalmente, evidenciando a extensão do problema.
A auditoria do Ministério Público Federal (MPF) revela que 12% do gado comprado pela JBS em Rondônia provém de áreas desmatadas ilegalmente. A JBS, por sua vez, afirma que 94% de suas compras na Amazônia são de gado legal, uma estatística que abrange apenas compras diretas e não considera o comércio de lavagem de gado. Este processo envolve a transferência de gado de áreas ilegais para fazendas legais antes de serem vendidas aos frigoríficos, complicando a rastreabilidade.
Um relatório do Imazon identifica a JBS como a empresa mais exposta ao risco de desmatamento, levando em conta a localização de seus frigoríficos e áreas de compra de gado. Jornalistas da Associated Press visitaram a Jaci-Paraná e confirmaram a devastação da reserva, onde apenas fragmentos de floresta sobrevivem ao longo dos rios Jaci-Paraná e Branco.
Consequências para a comunidade local
Nos últimos anos, muitas famílias que dependiam do extrativismo na Jaci-Paraná foram forçadas a sair por madeireiros e fazendeiros. Lincoln Fernandes de Lima, um morador local, relata ataques e ameaças por grileiros, incluindo a destruição de casas com motosserras. Lima e outros extrativistas, como Efigênio Mota da Silva, foram expulsos e tiveram que buscar refúgio no distrito de Jaci-Paraná.
Rosa Maria Lopes, nascida na reserva, representa as gerações de famílias que foram deslocadas. As terras que antes abrigavam uma rica biodiversidade e sustentavam comunidades através do extrativismo foram convertidas em pastagens para gado. A vida e a cultura dessas famílias foram profundamente afetadas, com a perda não apenas de suas casas, mas também de seu modo de vida e fonte de sustento.
Com informações da Agência Pública
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