Cientistas exploraram as transformações geológicas e climáticas que deram origem à rica biodiversidade da Amazônia, destacando o impacto da elevação dos Andes e as mudanças nos cursos de rios.
Em 2017, o geólogo Roberto Ventura Santos, da Universidade de Brasília, juntamente com sua equipe, passou quatro dias trabalhando em uma piscina de plástico improvisada em Puerto Maldonado, no Peru. Utilizando a colaboração dos funcionários do hotel, a equipe esvaziou sacos de terra coletada de até 80 metros de profundidade perto do rio Huallaga para analisar em busca de um mineral específico, o zircão. Posteriormente, no laboratório da UnB, eles examinaram a proporção de elementos químicos como urânio e chumbo nas amostras, estabelecendo a idade e origem do zircão encontrado.
Essa pesquisa expandiu o conhecimento sobre a história geológica e ambiental da Amazônia para 65 milhões de anos, um avanço significativo em comparação com os 20 milhões de anos previamente estudados. Além disso, o trabalho ajudou a entender melhor a geração da diversidade biológica da região, que abriga uma imensa quantidade de espécies. Um artigo publicado pelo grupo em abril destacou a importância da cordilheira dos Andes na formação geológica da Amazônia e sugeriu que a água do mar, com seus organismos, poderia ter vindo também do sul.
A conexão entre Andes, Amazônia e Pantanal
A análise do zircão revelou que há cerca de 60 milhões de anos, com a elevação dos Andes, água e organismos do Atlântico Sul podem ter alcançado a região de Madre de Dios, no Peru. Polens encontrados nos sedimentos indicam uma origem comum entre a Amazônia e o Pantanal, sugerindo que este último também se formou devido à elevação dos Andes. Entre os polens identificados estava o de plantas da família das araucárias, típicas de climas mais frios.
Os Andes, compostos por 104 montanhas e estendendo-se do norte da Colômbia ao sul da Argentina, continuam a influenciar a Amazônia. Eles fornecem água e sedimentos para os rios da região e podem ter contribuído para a recente seca intensa na área. Um estudo publicado em abril de 2022 revelou que o aquecimento global reduziu significativamente a área das geleiras nos Andes, diminuindo o aporte de água para os rios. Adicionalmente, os Andes impactam o clima na região ao bloquear a umidade do Atlântico, afetando as chuvas na floresta amazônica.
Formação e evolução do Pantanal e da Amazônia
Michele Andriolli Custódio, geóloga da Universidade Federal do Amazonas, explica que o crescimento dos Andes não foi uniforme, ocorrendo em várias etapas. Esse processo transformou a paisagem, principalmente influenciando a direção dos rios. Anteriormente, esses rios desaguavam aos pés dos Andes e corriam para o oeste, mas, com o soerguimento das montanhas, foram redirecionados para o leste, em direção ao Atlântico. Essa mudança de curso dos rios teve um impacto significativo na fauna e flora locais, isolando ou unindo diferentes populações e habitats, o que favoreceu a diversificação de espécies.
Carlos D’Apolito, biólogo da Universidade Federal do Acre, em um estudo publicado na Sedimentary Geology, observa que a configuração atual dos rios da Amazônia só se estabeleceu há aproximadamente 10 a 9 milhões de anos. Antes disso, a região era dominada por um extenso pantanal, com lagos enormes e uma rica biodiversidade, incluindo jacarés, tartarugas, peixes de grande porte, e vegetação típica de áreas alagadas, como os buritizais. Fósseis de conchas marinhas encontrados na região corroboram a presença de água salgada nesse ambiente no passado.
Espécies como os botos-cor-de-rosa, peixes-boi e arraias que habitam os rios amazônicos hoje sugerem que a região já foi coberta por água salgada. Essas espécies podem ter sido isoladas do mar e, com o passar do tempo, adaptaram-se ao ambiente de água doce, diferenciando-se de seus parentes marinhos.
Lúcia Lohmann, botânica da USP e da Universidade da Califórnia em Berkeley, ressalta que a maioria das espécies de plantas e animais da Amazônia surgiu nos últimos 5 milhões de anos, embora pertençam a famílias que habitam a região há cerca de 60 milhões de anos. Ela aponta que a Amazônia funciona tanto como um refúgio quanto como um berçário para a biodiversidade, destacando a capacidade das plantas de responder a mudanças ambientais.
Evolução histórica da vegetação na América do Sul
Um estudo detalhado revelou que, há aproximadamente 30 milhões de anos, uma vasta floresta que cobria quase toda a América do Sul foi fragmentada por uma zona de clima seco. Esse evento geológico dividiu a floresta em duas grandes áreas: a Amazônia a oeste e a Mata Atlântica a leste. Subsequentemente, a estrutura e composição dessas florestas sofreram significativas mudanças. Entre 23 e 16 milhões de anos atrás, a Amazônia possuía uma diversidade notável de vegetação, desde manguezais até florestas de terra firme, em um cenário estuarino com interação entre água do mar e dos rios.
Análises de polens encontrados nos sedimentos indicam que durante este período inicial, pelo menos 48 famílias de plantas já habitavam a Amazônia. Este número aumentou para 79 famílias entre 16 e 12 milhões de anos atrás. Posteriormente, houve uma redução para 25 famílias, resultando em uma floresta mais aberta, mas a diversidade voltou a crescer entre 5 e 2 milhões de anos atrás, alcançando 117 famílias. Essa variação na diversidade vegetal sugere uma forte capacidade de adaptação da flora amazônica a mudanças geoclimáticas ao longo de milhares de anos. Lohmann destaca que essa capacidade adaptativa é a razão pela qual muitas espécies conseguiram sobreviver em ambientes variados, como o Cerrado, a Mata Atlântica e florestas da América Central.
A história evolutiva da vegetação amazônica fornece insights valiosos sobre como as espécies se adaptaram a mudanças climáticas em uma escala de milhões de anos. Estas informações são cruciais no contexto atual das mudanças climáticas. Contudo, Lohmann e outros pesquisadores, em um artigo publicado na Science em janeiro de 2023, alertam para o fato de que as mudanças induzidas pelo homem estão ocorrendo a uma velocidade maior do que a capacidade de adaptação das plantas.
Eles analisaram 11 tipos de mudanças antrópicas, como a expansão urbana e agrícola, e 21 naturais, incluindo a elevação dos Andes e a separação geológica da América do Sul e da África. A conclusão é que se essas mudanças não forem controladas, podem resultar em consequências graves, como a redução das chuvas nas áreas agrícolas do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
Com informações da Revista FAPESP
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