Conhecido mundialmente por suas deslumbrantes praias e florestas tropicais, o Brasil esconde um tesouro menos conhecido, mas igualmente vital: a “Amazônia Azul”. Este vasto ecossistema marinho-costeiro, estendendo-se por 5,7 milhões de quilômetros quadrados, abriga uma riqueza incomensurável de biodiversidade e recursos. O impacto profundo desses ecossistemas na vida continental é o foco do 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, um documento inédito que joga luz sobre a importância do oceano para o bem-estar e desenvolvimento sustentável do país.
Segundo o Sumário para Tomadores de Decisão (STD), parte integrante do relatório, o oceano desempenha um papel crucial no fornecimento de alimentos, água, energia, recursos minerais e biotecnológicos, além de proteger a linha de costa e regular os padrões climáticos essenciais para a agricultura nacional. A pesquisa, uma colaboração entre cientistas e representantes de comunidades indígenas e tradicionais, visa tirar o oceano da “invisibilidade” e colocá-lo no centro da agenda de desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil.
Com uma linha de costa de cerca de 10 mil quilômetros, o Brasil abriga a segunda maior área de manguezais do mundo e uma diversidade estonteante de espécies e ecossistemas marinhos. Cerca de 18% da população vive perto do litoral, e aproximadamente 20% do PIB nacional provém dessa zona, incluindo pesca, aquicultura, navegação, mineração e turismo
Barcos de pesca no estuário de Cananeia, Litoral Sul de São Paulo, onde a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros é vital para a sustentabilidade socioeconômica da região – Foto: Herton Escobar / USP Imagens
Beatrice Padovani Ferreira, professora do Departamento de Oceanografia da UFPE, em uma coletiva de imprensa, destacou a contribuição significativa, mas subestimada, da economia do mar para o bem-estar nacional. Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que coordenou a elaboração do diagnóstico, ressaltou a interconexão entre o oceano e o agronegócio, enfatizando a dependência da agricultura nas chuvas que têm origem no mar.
O diagnóstico é um esforço conjunto da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) com a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. Incluindo a participação de 53 especialistas acadêmicos e governamentais, o relatório completo, organizado em seis capítulos, será publicado em junho de 2024. Por ora, apenas o Sumário para Tomadores de Decisão está disponível.
Infográfico do Sumário para Tomadores de Decisão (STD) do 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, resumindo as dimensões que fazem do Brasil uma “nação oceânica” – Infográfico: Reprodução/BPES
Cristiana Seixas, da Unicamp, ressaltou a importância de expandir a noção de “tomadores de decisão” para incluir toda a sociedade, enfatizando a necessidade de uma mudança cultural e paradigmática impulsionada pela sociedade.
Este relatório coloca a “Amazônia Azul” no mapa, não apenas como um ecossistema marinho essencial, mas como um ator crucial no futuro sustentável do Brasil.
Identificando Lacunas na Gestão Ambiental Marinha do Brasil
Lacunas na Política Pública e Implementação: O professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, destaca uma das principais contribuições do diagnóstico: a identificação de lacunas críticas na gestão ambiental marinha do Brasil. Uma lacuna significativa é a deficiência na implementação de políticas públicas existentes para a gestão dos ecossistemas marinhos.
Turra enfatiza a urgência de pôr em prática essas políticas públicas, incluindo a necessidade de novas leis, como a Lei do Mar, que está em tramitação há quase uma década no Congresso. Essa lei visa estabelecer uma Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro. Ele ressalta a importância de integrar a tomada de decisão com os diferentes atores da sociedade para efetivar essas políticas.
Crise na Estatística de Pesca: Outra grande preocupação apontada pelos pesquisadores é a ausência de estatísticas oficiais sobre a pesca no Brasil desde 2008. Essa falta de dados impede o conhecimento preciso sobre as práticas pesqueiras no país. Segundo a professora Beatrice Padovani Ferreira, da UFPE, essa situação é inconcebível para um país com as dimensões e características do Brasil.
Mais de 50% do pescado nacional é estimado como proveniente da pesca artesanal, que emprega significativamente mais pescadores e utiliza menos combustível do que a pesca industrial. A falta de controle sobre a pesca é vista como uma ameaça direta à biodiversidade marinha, vital para a manutenção dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelo oceano.
O caranguejo-uçá é uma das principais fontes de renda e alimento para os pescadores e catadores da Reserva Extrativista de Cassurubá, em Caravelas, no sul da Bahia, que abriga um grande e saudável ecossistema manguezal – Foto: Herton Escobar/USP Imagens
Desafios Frente às Mudanças Climáticas: O relatório também alerta para a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas sobre a zona marinho-costeira, sinalizando a necessidade urgente de ações estruturantes e duradouras para promover um oceano próspero, protegido e resiliente. Essas ações devem ser sustentáveis e equitativas para mitigar a perda de biodiversidade e a degradação ambiental.
Amazônia Azul: Um Conceito Expandido: A “Amazônia Azul”, termo cunhado pela Marinha do Brasil, é um conceito adotado pela comunidade científica para referir-se à vasta área marítima do Brasil, comparável à floresta amazônica em termos de extensão, biodiversidade e recursos. O diagnóstico inclui áreas que o Brasil pleiteia junto à ONU como extensão de sua plataforma continental. Esses pleitos, ainda em análise pela Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU, são considerados justificados pelos pesquisadores e já são adotados em mapas oficiais do país.
Suporte e Parcerias: O relatório contou com o apoio de várias instituições, incluindo uma emenda parlamentar do deputado federal Rodrigo Agostinho (atual presidente do Ibama), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Serrapilheira, Programa Biota/Fapesp, entre outras. Além de Turra, o Sumário para Tomadores de Decisão foi assinado por Áurea Ciotti, Eduardo Siegle, Luciana Xavier, e Marina Dale da USP.
Este diagnóstico pioneiro não apenas lança luz sobre os desafios enfrentados pelos ecossistemas marinho-costeiros do Brasil, mas também estabelece um caminho para ações integradas e conscientes que podem levar a um futuro mais sustentável e resiliente para a “Amazônia Azul” e para o país como um todo
A Ilha dos Alcatrazes, no Litoral Norte de São Paulo, é um dos principais símbolos da biodiversidade e da conservação marinha no Brasil – Foto: Leo Francini
*Com informações JORNAL DA USP
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